Rodrigo Passeira (*)
Como trabalhar a inclusão no desenvolvimento de produtos? Costumo dizer que essa é a pergunta básica e mais importante que todo profissional que trabalha desenhando novas soluções deveria se fazer ao pensar na criação de uma ferramenta, item físico ou digital. A grande questão é: como fazer isso?
Podemos abordar o tema falando sobre inclusão tecnológica, social, educacional, por exemplo, mas independente do enfoque, em todas as definições o aspecto mais ressaltado vale sempre ser repetido: a intenção é pensar no produto com foco em atender de forma satisfatória todas as pessoas que irão utilizá-lo, sem exceção por classe social, formação ou qualquer outra característica do indivíduo.
Por mais óbvio que seja, a clareza sobre este ponto é fundamental para seguirmos.
Exercitando com um exemplo, um produto de detecção de rostos deve considerar, sem exceção, todas as etnias, estando preparado para reconhecer pessoas com peles de diferentes cores, tonalidades e traços étnicos de forma equilibrada para que o algoritmo não tenha viés ou falhe ao detectar um rosto que não seja da cor X ou Y.
Parece óbvio, mas não é o que de fato acontece na realidade. Manchetes surgem constantemente falando sobre o tema, incluindo nomes de grandes players do setor de tecnologia. Mas como diminuir essa possibilidade de viés e quais são pontos importantes para destacar e serem considerados no processo de construção de produtos? Trago alguns pontos que podem te ajudar a criar produtos mais inclusivos.
. Cultura da empresa: A cultura da empresa propositalmente é o primeiro item deste texto, porque sem uma cultura forte, estruturada e que tem como valor as pessoas, pensando em inclusão e diversidade nos seus times, dificilmente haverá uma evolução positiva na direção da inclusão.
. Processo de seleção: É sabido que os processos seletivos baseados em avaliação de variáveis como formação específica, faculdade, e outros detalhes podem estar carregados de viés inconsciente. É comum ver padrões sendo seguidos, porque as pessoas costumam procurar semelhanças entre elas. Isso é um grande problema e pode causar impactos sérios em uma organização.
Times pouco diversos, que têm os mesmos repertórios e pensam da mesma forma, possivelmente terão só uma visão do problema, o questionamento e desdobramento de hipóteses pode se tornar viciado e deixará a equipe mais limitada, culminando em uma entrega com menos valor. Recrutamentos que utilizam etapas estruturadas com chatbots, por exemplo, ajudam a eliminar viés, equilibrando o processo, evitando perspectivas involuntárias.
. Simplificar o acesso ao uso do produto: Permitir o uso de um produto tech sem a necessidade de utilizar código pode também ser uma forma de dar às pessoas mais acesso à tecnologia. Desenvolver um chatbot sem usar uma linha de código é uma forma de conseguir trazer mais pessoas para perto do produto e ajudar aquelas que estão no início da carreira e querem aprender mais sobre desenvolvimento e tecnologia.
Por aqui, nós temos uma plataforma de desenvolvimento de bots que dá a possibilidade de pessoas que não sabem usar linguagem de programação desenvolverem seus próprios bots sem a ajuda de um especialista. Com isso, é possível que pessoas com backgrounds diferentes consigam desenvolver novos bots, e também contribuam com novas visões para as soluções.
Isso faz com que o time de produto passe a entender melhor como essas novas pessoas se relacionam com a plataforma e que tipo de dores estão tentando resolver. Ou seja, tudo isso porque quanto mais simplicidade trazida para o processo de desenvolvimento, mais escalável será o produto.
. Linguagem neutra de gênero (não binária): As pessoas devem se sentir confortáveis com o produto que irão utilizar. A linguagem não binária, ou seja, que utiliza termos neutros, sem distinção por gênero, é um ponto importante para a construção da solução. A linguagem inclusiva garante que todas as pessoas se sintam contempladas pelo produto.
Para aqueles que utilizam voz, há projetos super interessantes de voz sem gênero, que misturam vozes de diversas frequências diferentes para conseguir chegar em um resultado misto entre graves e agudas, não sendo categorizada como de um gênero específico. Para chatbots, a linguagem não binária é essencial para inclusão e garantir que qualquer pessoa que leia sinta que é com ela que o bot está falando.
. Uso de canais conversacionais: No Brasil, o WhatsApp está em 99% dos celulares e é um ponto de contato importante com diversos produtos e serviços. Uma vez que consideramos esta informação, ter um produto ou ser uma empresa que disponibilize canais que se comunicam massivamente com o público também é uma forma de inclusão.
. Dados, com foco nas pessoas (sem exclusões): No livro ‘Invisible Woman’, da autora Caroline Criado Perez, há vários exemplos de como a sociedade e os estudos normalmente são pautados com base em amostragens predominantemente masculinas ou que ignoram pontos importantes da análise, gerando viés e problemas graves. Se a amostragem utilizada para definir um algoritmo utiliza apenas um perfil específico, teremos problemas no reconhecimento de pontos importantes.
Termino dizendo que proporcionar inclusão não é uma tarefa fácil. É um trabalho de construção, tijolo a tijolo. Mas se você tiver em mente que deve produzir soluções que atendam satisfatoriamente todo tipo de pessoa que faz parte do público alvo, tendo o cuidado adequado na comunicação e etapas da construção, utilizando os dados corretos, e atendendo, sobretudo, às dores destes usuários, é certo que deixará no mercado um produto mais inclusivo.
Logo, isso acarretará mais satisfação e valor para clientes e usuários, e consequentemente uma melhor performance para seu produto e para sua empresa.
(*) – Pós-graduado em gestão de negócios pela FGV, é Head de Produto da Wavy Global, empresa do grupo Movile que reúne mensageria, conteúdo e soluções completas de customer experience (https://wavy.global/).