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Assembleias gerais e reunião de sócios em tempos de Covid-19

em Destaques
quarta-feira, 01 de abril de 2020

(*) – Fernando Augusto Sperb

De acordo com a legislação brasileira, especificamente os artigos 121 e seguintes da Lei das Sociedades por Ações e artigo 1.078 do Código Civil, as companhias com capital aberto ou fechado e as sociedades limitadas, devem realizar ao menos uma vez por ano, nos primeiros quatro meses de cada ano, uma assembleia ou reunião de sócios, para deliberar sobre as contas dos administradores, destinação dos lucros, distribuição de dividendos, eleição de administradores e membros do conselho fiscal, quando for o caso, entre outras matérias.

Trata-se, neste caso, da assembleia geral ordinária (AGO), prevista para as companhias nos artigos 132 e seguintes da Lei das
Além das AGOs para as companhias e da reunião anual obrigatória para as sociedades limitadas, há também a regular e constante necessidade de reuniões e assembleias extraordinárias, quando matérias distintas daquelas que necessariamente precisam ser anualmente tratadas vêm à tona e, por isso, devem ser objeto de deliberação social.

Em tempo de Covid-19, com todas as restrições e receios relativos à circulação e aglomeração de pessoas, a pergunta que vem à tona é como poderiam ser realizadas as assembleias e reunião de sócios?
Pois bem, conforme disciplinam as normas afetas à matéria, a regra é a participação presencial dos sócios ao conclave, no local da sede da companhia ou empresa (§2°, art. 124 Lei S/A), com o preenchimento de requisitos impostos pela Lei como: assinatura de lista de presença, registro da presença de acionistas em livro próprio, transcrição da ata em livro etc.

Não raras vezes os estatutos ou contratos sociais preveem a participação remota de sócios, observados os requisitos nesses inseridos. Não obstante isso, no dia 30 de março de 2020 o Governo Federal publicou a Medida Provisória 931, que altera as Leis 10.406/2002, 5.764/1971 e 6.404/1976 (respectivamente o Código Civil, a Lei das Cooperativas e a Lei as Sociedade por Ações), para:

• Prorrogar o prazo para a realização das assembleias/reuniões de sócios previstas para o primeira quadrimestre, podendo elas serem realizadas no prazo de até 7 (sete) meses contado do término do exercício social da Sociedade Anônima, da Sociedade Limitada ou da Cooperativa (Artigos 1º, 4º e 5º da MP 931);

• Prorrogar o mandato dos administradores, gestores e conselheiros das Sociedades por Ações (§2º, Art. 1º), das Sociedades Limitadas (§2º, Art. 4º) e das Cooperativas (Parágrafo Único, Art. 5º), cujos mandatos se encerrariam na próxima assembleia/reunião de sócios, até que ocorra o conclave, no prazo descrito na alínea “a” acima;

• Autorizar/legitimar as deliberações do Conselho Administração das Companhias, ad referendum da Assembleia, acerca dos assuntos urgentes, mesmo que de competência da Assembleia (§3º do Art. 1º);

• Permitir a distribuição de dividendos, autorizados pelo Conselho de Administração, se houver, ou pela Diretoria (Art. 2º);

• Autorizar expressamente a participação e a declaração de voto à distância dos sócios e associados na Sociedade Limitada (Art. 7º), nas Cooperativas (Art. 8º) e na Sociedade por Ações (Art. 9º), alterando-se para isso os dispositivos do Código Civil, da Lei das Cooperativas e da Lei das Sociedades por Ações, com o nítido propósito de perenizar tal modificação.

Além da MP 931, o §1° do art. 121 da Lei das S/A já permitia a participação e a declaração de voto à distância do acionista, nos termos da regulamentação da CVM. Também o §1° do art. 127 da Lei das S/A disciplina que “Considera-se presente em assembleia geral, para todos os efeitos desta Lei, o acionista que registrar a distância sua presença, na forma prevista em regulamento da Comissão de Valores Mobiliários”.

Há, portanto, previsão legal para participações remotas, afora a possibilidade de envio de boletim de voto à distância, com certa antecedência em relação à realização da assembleia (conforme Instrução CVM n° 481/19). Portanto, não mais se discute a possibilidade de efetivação do conclave sob a forma virtual, desde que observados determinados preceitos.

A validade formal das assembleias e reuniões dependerá de seu posterior registro na Junta Comercial competente. Embora a maioria delas esteja com o atendimento presencial suspenso, as plataformas digitais por elas oferecidas são aptas ao registro das respectivas atas. No entanto, as Juntas Comerciais arquivarão as atas desde que as companhias e empresas apresentem a certidão da ata extraída e assinada fisicamente pelos presidente e secretário da mesa.

Para evitar questionamentos futuros, é importante que as atas digitais tenham as assinaturas digitais dos sócios, através dos respectivos certificados digitais, constando ainda a presença dos sócios já no início do conclave, também formalizado através dos certificados digitais de cada um. Outra possibilidade plausível é a realização de todo o conclave virtualmente, devidamente registrado e gravado, com posterior e imediata colheita de assinaturas físicas dos sócios, já que até o momento não se vislumbra a possibilidade de arquivamento de ata de assembleia/reunião virtual perante as Junta Comerciais.

Contudo, em situações de instabilidade ou até de conflito, o adequado é a participação virtual dos sócios utilizando-se dos seus certificados digitais para o registro inicial das suas presenças e posterior assinatura digital da ata. Isso dará legitimidade ao presidente e ao secretário da assembleia/reunião para que extraiam e assinem fisicamente a certidão que será levada a registro perante a Junta Comercial.

Na hipótese de impossibilidade real de efetivação do conclave sob a forma virtual, a solução que restou foi a mera prorrogação e a efetivação do ato no prazo agora estabelecidos pela MP 931 de 30/03/2020.

(*) – Advogado, Mestre em Direito Comercial pela UFPR e sócio de Alceu Machado, Sperb e Bonat Cordeiro – Sociedade de Advogado.