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A fase da pré-aposentadoria e seus aspectos emocionais

em Destaques
quarta-feira, 13 de maio de 2020

Lísia Prado (*)

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia; e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos” (Fernando Teixeira de Andrade).

O que chamou atenção para estudar este tema, no mestrado, foi que ao longo dos meus 20 anos de carreira em RH, sempre deparei com pessoas na fase da pré-aposentadoria. Falar sobre este assunto era desconfortável, e ainda o é, e tão poucos se preparavam para esta mudança. Para entendermos o porquê deste desconforto, segundo a psiquiatra suíço-americana Klüber-Ross, a pessoa está vivendo uma fase que ela chama de “Negação”.

Ou seja, a Negação é quando o sujeito nega a realidade, o que permite com que ele amorteça o baque e adie a realidade. Ele nega completamente a realidade que está vivendo e tem dificuldade ou evita falar sobre o assunto, é quase que um estado de dissociação induzido. Diante disso, precisamos entender o sentido do trabalho na vida das pessoas.

O que significa a palavra APOSENTADORIA? A análise etimológica da palavra aposentadoria apresenta sua vinculação a duas ideias centrais. A primeira é a de retirar-se aos aposentos, de recolher-se ao espaço privado de não-trabalho, sendo tal compreensão associada ao status depreciativo de inatividade e abandono que, muitas vezes, envolvem o tema. A segunda ideia é a de jubilamento, que acarreta uma perspectiva otimista, com uma conotação de prêmio, recompensa e contentamento.

E porque temos tanta dificuldade de falar a respeito? Porque o trabalho ocupa lugar central na vida humana.A saída do mundo do trabalho quando da aposentadoria implica diversas mudanças na vida do sujeito. Tal fato representa, ao mesmo tempo, a perda do lugar no sistema de produção, a necessidade de reorganização espacial e temporal (tempo e lugar de trabalho e tempo e lugar não-trabalho) e de reestruturação da identidade.

Nesse sentido, a aposentadoria, sempre vem acompanhada de: perdas de estratégias devido ao afastamento de comportamentos habituais, já organizados e conhecidos pelo sujeito; perdas de poder e reconhecimento; e perdas da identidade sócio-profissional, ou seja, da profissão e de relacionamentos. Entendendo a centralidade do trabalho na vida do ser humano, podemos dizer que normalmente, devido à perda de referência do trabalho, a aposentadoria é compreendida de forma contrária à significação de júbilo.

Não esquecendo o lugar de onde se fala, em uma sociedade capitalista, o aposentar-se tende a ser acompanhado por valores negativos como inutilidade, incapacidade e envelhecimento. Por conseguinte, o aposentado é quem não possui mais utilidade para a manutenção do sistema produtivo. Ao aposentar-se, o indivíduo experimenta um processo de inatividade, isto é, precisa lidar com perdas, com o conflito de sentir-se produtivo e capaz e, por outro lado, com o estigma da não-ação cobrado pela sociedade, onde o aposentado é aquele que não precisa fazer nada.

A aposentadoria é a inatividade após um tempo de serviço e a remuneração por essa inatividade. Qualquer que seja a definição, a presença da palavra “inatividade” conduz a reflexão acerca do lugar social do aposentado em uma sociedade onde o produzir é muito valorizado. Por isso, o aposentar-se costuma ser acompanhado pela marca social do envelhecimento e se ampara na visão de homem socialmente inútil ou contribui ao tratar a inatividade como sinônimo de vazio, vinculada à ideia de morte.

Alguns autores comparam a aposentadoria com o “descarte da laranja”, um “papel sem papel”, devido à perda de posição, dos amigos e do núcleo de referência, a transformação dos valores, das normas e das rotinas. Enfim, coloca-se em xeque a identidade. Fala-se, frequentemente, em mundo do trabalho, mas não se ouve falar em mundo da aposentadoria ou do não-trabalho devido à aposentadoria.
Passar de “trabalhador” para “aposentado” é como desembarcar na Lua.

Ao ingressar no mundo do trabalho, a maioria das pessoas possui grandes projetos: pretende constituir família, comprar uma casa, progredir profissionalmente, etc. Tais projetos se concretizam ou não. Ao se aposentar, no entanto, os planos da juventude, na medida do possível, estão realizados, e o presente assume outra dimensão: identificar-se com o que passou. Por esse motivo, na aposentadoria, comumente torna-se mais difícil projetar o futuro, e o sentimento de desamparo e de ruptura com o estabelecido é pesado e penoso, tendo em vista que, para muitos, o ambiente de trabalho é um verdadeiro lar.

Muitos se aposentam aos 60 anos e ainda estão em plena condição física, emocional, cognitiva e social. Falar em aposentadoria para esta pessoa é inaceitável, por toda a simbologia negativa descrita acima.
Quando a aposentadoria não é planejada e é feita de modo “abrupto”, torna-se um momento fortemente propício a episódios amargos. Por isso, são comuns relatos de separações conjugais, doenças severas e atésuicídios nos primeiros anos ou meses da aposentadoria.

Acredita-se que, o modo pelo qual o sujeito viverá a aposentadoria será influenciado por sua história de vida, suas relações com a sociedade e, sobretudo pelo lugar que o papel de profissional ocupava no conjunto de suas atividades, bem como pelo modo como o sujeito enfrenta perdas e se adapta a novas situações como, por exemplo, o estado da velhice.

É importante compreender o idoso em suas diversas formas de ser, respeitando suas maneiras de viver, pois o fato de determinadas pessoas estarem em uma mesma faixa etária não significa que tenham passado pelas mesmas vivências e que apresentem as mesmas características e necessidades. Perante esse cenário que acontece com o aposentado, o que podemos e devemos fazer a esse respeito?

(*) – É sócia da House of Feelings, escola de sentimentos (www.houseoffeelings.com).