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O que fazer com os contratos não cumpridos quando a pandemia acabar?

em Manchete Principal
quarta-feira, 13 de maio de 2020

Ronaldo Gallo (*)

A humanidade vive um momento de muitas incertezas, enfrentando a pior de suas crises e com todas as energias voltadas para a preservação das vidas humanas. Para esse fim, inúmeras estratégias vêm sendo desenvolvidas com certa unidade de atuação mundial, a principal delas, no momento, é o isolamento social, que pode quebrar o ciclo de propagação rápida da Covid-19.

Mas o isolamento social também tem seus efeitos colaterais e o principal deles pode ser sentido na economia. O fluxo de transações, de todas as espécies, vem diminuindo drasticamente, quando não simplesmente deixando de acontecer. Os governos de todo o mundo já anunciam um período de economia recessiva, pós coronavírus, e já se iniciam avaliações que tentam mensurar se o remédio não pode ser mais amargo que a doença.

Independentemente de qual o posicionamento pessoal de cada um com relação à situação posta, e este artigo não se presta a desenvolver análise técnica sobre as medidas que são (ou serão) necessárias para conter a crise global, fato é que em mais dia ou em menos dia iremos superar a pandemia, e é neste momento que vamos encarar a questão que intitula esse artigo: o que fazer com os contratos rompidos e não cumpridos? – Vamos listar algumas opções que poderão auxiliar na estratégia que irá proporcionar a retomada das relações empresariais da forma mais eficiente e saudável possível.

1 – PODER JUDICIÁRIO

Imagem: Freepik

Ponto positivos: Os juízes são profissionais altamente capacitados e qualificados.

Ponto negativos: O processo desenvolvido no âmbito do Poder Judiciário tem forte conteúdo adversarial e é comum as partes partirem para o enfrentamento, posicionadas no que entendem correto e apenas enxergando os lados negativos da outra parte. A resistência dá o tom do processo. A tendência, pós crise é de uma inundação de processos no Judiciário, o que tende a colapsar o sistema, gerando uma demora ainda maior do que a estatisticamente constatada.

O magistrado é um generalista e não necessariamente entende do seu negócio. Isso pode redundar em ainda mais demora ou em decisões que, não obstante tecnicamente adequadas, estão descoladas do cotidiano do mundo empresarial, desagradando todos os envolvidos no conflito.

2 – MEDIAÇÃO

Pontos positivos. É um ótimo procedimento para enfrentamento dos conflitos após o fim da crise, quando da retomada das relações empresariais, e mesmo durante a crise. Soluções criativas que atendam o interesse das partes também podem emergir deste processo, diminuindo a espiral do conflito e gerando novas oportunidades.

As partes não são obrigadas a permanecer no processo de mediação, elas prosseguem enquanto lhes parecer adequado e interessante. O acordo também não é o principal objetivo deste método, mas sim a recomposição da lesão proporcionada pelo conflito no relacionamento empresarial, familiar etc. Retomar o relacionamento sadio é o que importa!

Pontos negativos. A escolha do mediador é essencial para o processo; a aplicação de técnicas não apropriadas pode elevar a espiral do conflito a níveis que podem redundar ainda mais danos.

Imagem: Freepik

3 – ARBITRAGEM

Pontos positivos. Diferentemente da mediação e, neste aspecto, mais assemelhado ao processo judicial, na arbitragem o conflito também será resolvido por um terceiro, o árbitro. A diferença é que o julgador na arbitragem é escolhido pelas próprias partes envolvidas no conflito, que podem escolher um profissional que tenha conhecimento prático e teórico quanto ao tema, o que importará na agilidade em resolver a questão e aumentará a possibilidade de acerto da decisão final. O processo arbitral pode ser confidencial, caso queiram as partes, e a rapidez é uma qualidade do processo arbitral, e você precisará dessa rapidez para resolver seus problemas pós Covid-19.

Pontos negativos. O custo do processo arbitral normalmente é caro, e isso pode ser um problema em um momento de crise, e algumas Câmaras trabalham com “lista fechada” de árbitros, o que significa dizer que você não poderá escolher um árbitro de fora desta “lista”. Além disso, as Câmaras de Arbitragem em sua esmagadora maioria adotam regulamentos próprios. Esses regulamentos são as regras procedimentais que irão reger o processo arbitral.

4 – NEGOCIAÇÃO

Pontos positivos. Todos os procedimentos até agora apresentados partem da premissa da imparcialidade, os terceiros que auxiliam na resolução do conflito necessariamente são imparciais. A negociação não parte desta premissa, o negociador é parcial e desenvolve seu trabalho tentando resolver os conflitos com base na estratégia desenvolvida por uma das partes. O negociador também pode detectar eventuais equívocos que estão sendo praticados no processo de resolução dos problemas e sugerir alternativas para que os conflitos não se multipliquem em cadeia.

Pontos negativos. A visão parcial e a comunicação das partes por terceiro (o negociador) podem minimizar as possibilidades de compreensão das dificuldades enfrentadas pelo outro, o que também diminui as alternativas de resolução do conflito. Um negociador desprovido de técnica pode aumentar consideravelmente a espiral do conflito, ou fechar entendimentos que podem não espelhar a melhor opção para as partes, gerando grande insatisfação.

5 – ON LINE DISPUTE RESOLUTION – ODR

Pontos positivos. Ferramenta voltada para a resolução das chamadas demandas de massa. É uma plataforma virtual que funciona sem intervenção humana, tem como base demandas repetitivas que são solucionadas por meio de caminhos pré-desenhados e que contam com alto grau de resolutividade. A rapidez na resolução do conflito, o custo baixo e a preservação da imagem da empresa são as melhores qualidades dessas ferramentas.

Pontos negativos. Quando não há informações prévias sobre o conflito a plataforma pode requerer um tempo maior para demonstrar sua efetividade, até que contenha dados suficientes para a geração de caminhos viáveis de resolução de conflitos que atenda às necessidades das partes.

Estas são apenas algumas das possibilidades que se tem atualmente para a resolução de conflitos, sem prejuízo de outras que podem ser criadas (design de sistema de disputas) acoplando peças de um procedimento em outro, gerando a construção de um sistema de resolução eficaz para um problema específico. Em um momento de crise, e especialmente após a superação desta fase, inúmeros serão os contratos rescindidos e as relações ameaçadas pelo não cumprimento do acordado.

Utilizar o procedimento adequado para a resolução desses conflitos pode ser o diferencial necessário para a sobrevida do negócio, como também um marco gerador de confiança nos parceiros empresariais, o que sem dúvida também pode ser a origem das tão aguardadas novas oportunidades.

(*) – É sócio fundador da CAMES. Mestre em Direito pela PUC-SP e autor do livro “Previdência Privada e Arbitragem”.