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Uma arroba de história…

em Colunistas, J. B. Oliveira
quarta-feira, 05 de julho de 2017

Uma arroba de história…

J. B. Oliveira

Estreante em informática e encarregada de enviar um e-mail, lá se foi a jovem (de cabelos da cor de ouro…) cumprir a tarefa. Alguns segundos depois, diz para seu chefe: “Já coloquei o ‘a’ aqui no endereço do e-mail; mas como é que eu faço para pôr essa ‘cobrinha’ em cima da letra a? ”

Gracejo à parte, vale a pena procurarmos desvendar o mistério desse tão indispensável símbolo na comunicação de nossos dias.

Sua origem remonta à Idade Média, quando os livros eram escritos à mão pelos copistas. Precursores dos taquígrafos, eles simplificavam seu trabalho substituindo letras, palavras e nomes próprios por símbolos, sinais e abreviaturas. Não era propriamente por economia de esforço nem para que o trabalho tomasse menos tempo (afinal, tempo era o que não faltava naquela época sem telefone, TV, computador, internet e o que mais!). O imperativo era de ordem econômica: os “insumos” tinta e papel eram raros e, por isso, caros.                                                            

Foi dessa forma que surgiu o til (~), para substituir o m ou n que indicava a nasalização da vogal anterior. Quando se repara bem, percebe-se que o tal til é um pequeno “n” sobre a letra. No campo dos antropônimos, (nomes de pessoas), por exemplo, o nome espanhol Francisco, então também grafado Phrancisco, foi abreviado para Phco e Pco, o que explica a razão, nessa língua, do apelido “Paco”.

Ao citar os santos, os copistas os identificavam por algum detalhe significativo de suas vidas. O nome de São José, por exemplo, aparecia seguido da expressão “Jesus Christi Pater Putativus”, cujo significado é pai putativo (suposto) de Jesus Cristo. Posteriormente, os copistas passaram a adotar a abreviatura JHS PP, e depois simplesmente PP. A pronúncia dessas duas letras, em sequência, resultou na forma “Pepe”, apelido aplicado a praticamente todo José em espanhol.

Já para substituir palavra latina “ET”, que é o nosso “E”, criaram um símbolo resultante do entrelaçamento dessas duas letras, gerando o sinal “&”, popularmente conhecido como “e comercial”, em português, e “ampersand” em inglês, composição de “and” (e, em inglês), “per se” (por si, em latim) e “and”.   

Foi com esse mesmo recurso de entrelaçamento de letras que os copistas criaram o símbolo @, para substituir a preposição latina “ad”, que tinha, entre outros, o sentido de “casa de”.    

Os copistas se foram, na bruma do tempo, e veio a imprensa – mas os símbolos @ e & continuaram firmes nos livros de contabilidade. O @ aparecia entre o número de unidades da mercadoria e o preço. Por exemplo: o registro contábil 10@£5 significava 10 unidades ao preço de 5 libras cada uma. Nessa época, o símbolo @ significava, em Inglês, “at” (a ou em).

Na Catalunha, nordeste da Espanha, no século XIX, o comércio e a indústria procuravam imitar as práticas comerciais e contábeis dos ingleses. E como na Espanha desconheciam o sentido que os ingleses davam ao símbolo @ (a ou em), acharam que ele devia ser uma unidade de peso. Para tanto contribuíram duas coincidências: a primeira, o fato de a unidade de peso comum para os espanhóis na época ser a arroba, cuja inicial lembra forma do símbolo; e a segunda, o caso de os carregamentos desembarcados virem frequentemente em fardos cujo peso era uma arroba! Em razão disso, os espanhóis interpretavam aquele mesmo registro 10@ £3 desta forma: dez arrobas custando 3 libras cada uma. A partir dessa premissa – falsa – o símbolo @ passou a ser usado como forma de designar arroba.

A palavra, em si, vem do árabe “ar-ruba”, que significa “a quarte parte”.  Uma arroba (15 kg, em números redondos) correspondia a ¼ de outra medida de origem árabe, o “quintar”, que deu origem ao nosso vocábulo quintal. O quintar era uma medida de peso equivalente a 58,75 quilos.

As máquinas de escrever, que começaram a ser comercializadas na sua forma definitiva há cerca de um século e meio, mais precisamente em 1874, nos Estados Unidos – cabe destacar que Mark Twain foi o primeiro autor a apresentar seus originais datilografados –, trouxeram em seu teclado o símbolo @, que permaneceu no de seu sucessor – o computador.

Em 1972, ao criar o programa de correio eletrônico (e-mail), Roy Tomlinson usou o símbolo @ (“at”), disponível no teclado, entre o nome do usuário e o nome do provedor. E foi assim que Fulano@Provedor X, ficou significando Fulano no provedor X.

Na maioria dos idiomas, o símbolo @ recebeu o nome de alguma coisa com que guarde semelhança. É, em Italiano, “chiocciola” (caracol); em Grego, “papaki” (patinho); em Sueco, “snabel” (tromba de elefante) e em Holandês, “apestaart” (rabo de macaco). Em algumas outras línguas, tem o nome de certo doce de forma circular: “shtrudel”, em iídisch; “strudel”, em alemão e “pretzel”, em vários outros idiomas europeus.

Para nós, ficou valendo a forma original: arroba. (Na atual crise política, social, econômica, moral e ética, a sorte é que não tem valor financeiro: por isso ninguém a rouba!)

 

*J. B. Oliveira, consultor de empresas, é advogado, jornalista, professor e escritor.

É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Cristã de Letras.

www.jboliveira.com.br – [email protected]” data-mce-href=”mailto:[email protected]“>[email protected]

Uma arroba de história…

J. B. Oliveira

Estreante em informática e encarregada de enviar um e-mail, lá se foi a jovem (de cabelos da cor de ouro…) cumprir a tarefa. Alguns segundos depois, diz para seu chefe: “Já coloquei o ‘a’ aqui no endereço do e-mail; mas como é que eu faço para pôr essa ‘cobrinha’ em cima da letra a? ”

Gracejo à parte, vale a pena procurarmos desvendar o mistério desse tão indispensável símbolo na comunicação de nossos dias.

Sua origem remonta à Idade Média, quando os livros eram escritos à mão pelos copistas. Precursores dos taquígrafos, eles simplificavam seu trabalho substituindo letras, palavras e nomes próprios por símbolos, sinais e abreviaturas. Não era propriamente por economia de esforço nem para que o trabalho tomasse menos tempo (afinal, tempo era o que não faltava naquela época sem telefone, TV, computador, internet e o que mais!). O imperativo era de ordem econômica: os “insumos” tinta e papel eram raros e, por isso, caros.                                                            

Foi dessa forma que surgiu o til (~), para substituir o m ou n que indicava a nasalização da vogal anterior. Quando se repara bem, percebe-se que o tal til é um pequeno “n” sobre a letra. No campo dos antropônimos, (nomes de pessoas), por exemplo, o nome espanhol Francisco, então também grafado Phrancisco, foi abreviado para Phco e Pco, o que explica a razão, nessa língua, do apelido “Paco”.

Ao citar os santos, os copistas os identificavam por algum detalhe significativo de suas vidas. O nome de São José, por exemplo, aparecia seguido da expressão “Jesus Christi Pater Putativus”, cujo significado é pai putativo (suposto) de Jesus Cristo. Posteriormente, os copistas passaram a adotar a abreviatura JHS PP, e depois simplesmente PP. A pronúncia dessas duas letras, em sequência, resultou na forma “Pepe”, apelido aplicado a praticamente todo José em espanhol.

Já para substituir palavra latina “ET”, que é o nosso “E”, criaram um símbolo resultante do entrelaçamento dessas duas letras, gerando o sinal “&”, popularmente conhecido como “e comercial”, em português, e “ampersand” em inglês, composição de “and” (e, em inglês), “per se” (por si, em latim) e “and”.   

Foi com esse mesmo recurso de entrelaçamento de letras que os copistas criaram o símbolo @, para substituir a preposição latina “ad”, que tinha, entre outros, o sentido de “casa de”.    

Os copistas se foram, na bruma do tempo, e veio a imprensa – mas os símbolos @ e & continuaram firmes nos livros de contabilidade. O @ aparecia entre o número de unidades da mercadoria e o preço. Por exemplo: o registro contábil 10@£5 significava 10 unidades ao preço de 5 libras cada uma. Nessa época, o símbolo @ significava, em Inglês, “at” (a ou em).

Na Catalunha, nordeste da Espanha, no século XIX, o comércio e a indústria procuravam imitar as práticas comerciais e contábeis dos ingleses. E como na Espanha desconheciam o sentido que os ingleses davam ao símbolo @ (a ou em), acharam que ele devia ser uma unidade de peso. Para tanto contribuíram duas coincidências: a primeira, o fato de a unidade de peso comum para os espanhóis na época ser a arroba, cuja inicial lembra forma do símbolo; e a segunda, o caso de os carregamentos desembarcados virem frequentemente em fardos cujo peso era uma arroba! Em razão disso, os espanhóis interpretavam aquele mesmo registro 10@ £3 desta forma: dez arrobas custando 3 libras cada uma. A partir dessa premissa – falsa – o símbolo @ passou a ser usado como forma de designar arroba.

A palavra, em si, vem do árabe “ar-ruba”, que significa “a quarte parte”.  Uma arroba (15 kg, em números redondos) correspondia a ¼ de outra medida de origem árabe, o “quintar”, que deu origem ao nosso vocábulo quintal. O quintar era uma medida de peso equivalente a 58,75 quilos.

As máquinas de escrever, que começaram a ser comercializadas na sua forma definitiva há cerca de um século e meio, mais precisamente em 1874, nos Estados Unidos – cabe destacar que Mark Twain foi o primeiro autor a apresentar seus originais datilografados –, trouxeram em seu teclado o símbolo @, que permaneceu no de seu sucessor – o computador.

Em 1972, ao criar o programa de correio eletrônico (e-mail), Roy Tomlinson usou o símbolo @ (“at”), disponível no teclado, entre o nome do usuário e o nome do provedor. E foi assim que Fulano@Provedor X, ficou significando Fulano no provedor X.

Na maioria dos idiomas, o símbolo @ recebeu o nome de alguma coisa com que guarde semelhança. É, em Italiano, “chiocciola” (caracol); em Grego, “papaki” (patinho); em Sueco, “snabel” (tromba de elefante) e em Holandês, “apestaart” (rabo de macaco). Em algumas outras línguas, tem o nome de certo doce de forma circular: “shtrudel”, em iídisch; “strudel”, em alemão e “pretzel”, em vários outros idiomas europeus.

Para nós, ficou valendo a forma original: arroba. (Na atual crise política, social, econômica, moral e ética, a sorte é que não tem valor financeiro: por isso ninguém a rouba!)