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Postura do povo paulista em 32 é exemplo para nossos dias

em Colunistas, Geraldo Nunes
sexta-feira, 08 de julho de 2016
Multidão se reúne no largo do Palácio para aclamar os líderes da Revolução Constitucionalista. Imagem publicada no Suplemento Rotogravura de 25/8/1932.

Postura do povo paulista em 32 é exemplo para nossos dias

Quatro anos depois dos acontecimentos que levaram à Revolução Constitucionalista de 1932, um livro com uma pequena biografia de 634 heróis que morreram pela glória de servir a São Paulo foi publicado com o título “Cruzes Paulistas”

Multidão se reúne no largo do Palácio para aclamar os líderes da Revolução Constitucionalista. Imagem publicada no Suplemento Rotogravura de 25/8/1932.

A obra foi parte de uma campanha desenvolvida para a construção do monumento e do mausoléu existentes hoje no Ibirapuera e, em 2014, houve uma reedição pela Imprensa Oficial do Estado, graças ao empenho da Sociedade dos Veteranos de 32 e do incentivo do Centro de Memória Eleitoral do TRE-SP como forma de elucidar fatos daquela epopeia às novas gerações.

Fonte documental de relevância para historiadores e estudiosos do assunto “Cruzes Paulistas” é, segundo o poeta Paulo Bomfim, “a bíblia da revolução”. Daí a proposta de reeditar com autorização da Thomson Reuters – Revista dos Tribunais, responsáveis pela primeira edição. Em seu contexto os coordenadores do levantamento admitem que possa haver falhas por não constarem ali todos os que morreram nessa guerra civil.

Estimativas apontam para aproximadamente mil mortos, “… não obstante o acurado trabalho desenvolvido durante meses, se fez constante o pedido pelos jornais e pelo rádio, para que a população colaborasse indicando nomes de parentes e amigos sepultados após o conflito…”, explica o prefácio.

Já na apresentação a obra retrata passagens dos acontecimentos históricos ao contar que, “…no último dia de setembro conhecemos a dor da derrota e um sentimento de decepção sacudiu a alma de todo o povo. Sofremos. Choramos. Por uns poucos toda a população se sentiu como manietada, incapaz até de uma repulsa à situação… mas os soldados chegavam da fronteira dia a dia, hora a hora, desembarcavam na capital do Estado. Suas almas sangravam. O grito, no entanto, foi ouvido… formou-se a assembleia que elaborou a nossa Magna Carta e a 16 de julho de 1934 era assinada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil…”

Geraldo 1 temproarioEm 8 de julho de 2014, a Academia Paulista de História – APH, promoveu junto com o Centro de Integração Empresa Escola – CIEE, sob a presidência do professor Luiz Gonzaga Bertelli, uma comemoração cívica à Revolução Constitucionalista de 1932 que entregou gratuitamente a cada um dos presentes um exemplar da publicação. Esta solenidade aconteceu na manhã daquele fatídico jogo em que a seleção brasileira perdeu para a seleção alemã por 7 a 1 na Copa do Mundo que se realizava no Brasil.

Ressalto este acontecimento porque, apesar de toda a expectativa em torno da partida de futebol, o auditório do CIEE estava lotado por uma maioria formada por estudantes interessados em entender os motivos de uma revolução ocorrida 82 anos antes. Entre os discursos dos vários intelectuais presentes foi citada a figura de um paulista que encarnou a angústia do povo e se tornou o porta-voz dele na praça pública, Ibrahim Nobre. Jurista e orador brilhante não deixou, entretanto, nenhuma obra publicada.

Quem o conheceu, o considera como o mais apaixonado entre todos os que já se dispuseram a falar sobre as coisas de Piratininga. Ao fazer uso da palavra, o poeta Paulo Bomfim, evocou a figura do jurista contando uma passagem interessante em breve discurso:

“Oito de julho de 1932, no Largo da Sé, o comício fervia indignação. Corria de boca em boca a notícia que Oswaldo Aranha, porta-voz do ditador Getúlio Vargas, encontrava-se em São Paulo, na Vila Kyrial, em Vila Mariana, residência de seu parente Freitas Valle. Os manifestantes enfurecidos saem rumando para esse local, o tribuno Ibrahim Nobre fala a seu amigo Menotti Del Picchia que o acompanhava: – Vamos pegar um carro e ir para lá. No relato que o poeta de ‘Juca Mulato’ me fez, chegaram quando o povo se preparava para arrombar os portões da histórica mansão.

Ibrahim sobe numa mureta e encostando o revolver na têmpora brada: – ‘Paulistas, se vocês mancharem as mãos num gesto de covardia eu me mato de vergonha!’. A multidão que o venerava, respeita sua voz e pouco a pouco vai se dispersando. O orador com aquele gesto salvara a vida do inimigo político. Anos mais tarde indaguei a ele o que haveria acontecido se sua ordem não fosse cumprida. E ele me diz: – ‘Eu teria me matado, porque há passos que não tem retorno’.

Geraldo temproarioEsse era o Ibrahim que quando promotor, a partir de 1930, bradava no Tribunal do Júri: ‘Eu acuso a ditadura’. Plantava-se no Palácio da Justiça a semente da revolução que lutaria pela lei e pelos brios de nossa gente. Paulo Bomfim encerra o breve discurso largamente aplaudido pelos presentes. Na mesma cerimônia promovida pela APH e CIEE foram entregues aos profissionais da mídia e apoiadores da causa constitucionalista duas honrarias da Academia Paulista de História, o colar Carlos de Souza Nazareth e a medalha Hernâni Donato.

Lembramos naquela oportunidade, em nossa rápida alocução, que as mulheres residentes em São Paulo, em número acima de 100 mil, ofereceram serviços às organizações de apoio, como por exemplo, na costura dos uniformes dos voluntários e na confecção de agasalhos, pois o inverno de 1932 foi dos mais rigorosos, além dos trabalhos de enfermagem.

Foram mais de 440 mil fardas confeccionadas de graça, com as costureiras se revezando em turnos diurnos e noturnos à frente de 800 máquinas de costura sob os auspícios da Associação Comercial de São Paulo e da indústria. Salientamos aos jovens presentes que quando pensarmos em transparência na política e honestidade para com os cidadãos estaremos expressando os ideais dos constitucionalistas de então que tinham como principal objetivo estabelecer pela primeira vez a democracia no Brasil e assim se fez. A postura do povo paulista de 1932 é um exemplo para os dias de hoje.

(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).