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Línguas parecidas…I

em Colunistas, J. B. Oliveira
segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Línguas parecidas…

                           

                                                                                                                          J. B. Oliveira

 

Sempre que pergunto, em treinamento, quais são as línguas parecidas com a nossa, as respostas são: Espanhol. Italiano. Francês…

Respostas corretas: essas três línguas se parecem com o Português, e nem poderia ser diferente, uma vez que são da mesma “família”: todas provêm do berço comum, o Latim. Por isso, são chamadas de neolatinas. (Pertencem também a esse grupo, o Romeno, o Catalão, o Galego e o Provençal).
Mas há OUTRAS línguas bem semelhantes ao Português.

Eis algumas delas: o Juridiquês, o Mediquês, o Economês, o Policiês e muitas outras. Um boletim em Policiês é algo mais ou menos assim: “O meliante abateu o desafeto, vibrando-lhe três violentos pontaços no abdômen. A seguir, evadiu-se em companhia de sua amásia, homiziando-se em local incerto e não sabido”.

Há um movimento atual muito forte, a partir do próprio Conselho Nacional de Justiça, no sentido de se eliminar ou pelo diminuir o uso do Juridiquês no ambiente geral dos operadores do Direito. Sem dúvida, será de grande valia, pois os termos usados por alguns profissionais dessa área são de doer. À guisa de ilustração, imagine-se o caso de um cidadão de poucas letras dirigindo-se a um advogado para pedir-lhe que o assista na venda que quer fazer de um imóvel de sua propriedade.

O culto jurista lhe dirigirá esta singela pergunta: “E o senhor tem outorga uxória?” – Entre perplexo e assustado, o cliente dirá: “Eu acho que já tive isso, mas sarei! ”. Outorga uxória tem mesmo jeitão de doença – até contagiosa – mas significa apenas autorização da esposa!

Mais complicado, sem dúvida, é o Mediquês. Basta ler uma bula de remédio para se ver quão grande é a distância que o separa do nosso idioma, causando sérios problemas de comunicação com pessoas não ligadas à área da saúde. O médico pergunta ao paciente se ele tem cefaleia. “Tenho não senhor. O que eu tenho mesmo é uma dor de cabeça danada! ” é a pronta resposta.

No meu livro “Falar Bem é Bem Fácil” (esgotado), defendo a tese de que a mensagem é a ideia. Assim, uma mensagem só é recebida pelo receptor quando ele consegue formar a ideia do que ela significa. Tanto isso é certo que quando alguém não consegue entender o sentido de uma comunicação, diz: “Não faço a menor ideia”! Para comprovar, conto uma história que ilustra bem essa realidade.

Cidadão humilde do interior, acompanhado da mulher, vai à consulta médica. Após examiná-lo, o médico diz: – “Bem, seu José, o que temos aqui é apenas uma intumescência da glândula prostática. Não será necessário procedermos à prostatectomia. O senhor apenas vai usar isto. ” E entrega um objeto ao paciente, que agradece e sai com a mulher. No corredor, volta-se para ele e indaga: – “Veia, cê intendeu o que o médico disse? ” – “Num faço a menor ideia”, responde ela. – “Intão vamo vortá!” – “Dotô, que que é pra fazê com isto que o senhor deu pra nóis? ” – “O senhor introduz esse supositório na extremidade retal. ” – “Sim sinhô, dotô, agardecido.”

De novo no corredor, refaz a pergunta: – “E agora, veia, ce intendeu?” – “Nadica di nada!” – “intão, vamo vorta traveiz” “Por favor, dotô, dá pra expricar mais meior o que que nós tem que fazê com esse tar de positório?” – “O senhor… bem, o senhor aplica o supositório no orifício anal.” – “Ah! Sim sinhô, no orifício anal, tá certo!” – “Muié, e agora? Cê intendeu? Cê num é tão burra ansim, né?” – “Inda num intendi nada não. Esse dotô fala muito cumprido. Vamo pedi pra ele falá mais curto!” – “Intão, vamo vorta di novo. ” 
– “Dotô, dá pru sinhô fala, ansim mais curtico, o que que é pra fazê com o tar de positório? ” – “O senhor… o senhor… o introduz no ânus!” – “Introduz no ânus… sim sinhô, dotô, muito brigado”. – ”E agora, muié, intendeu? Ele falô bem curtico!” – ”Falô curtico, mai num falô a nossa língua! Cê tem que pedi pra ele falá qui nem qui nóis fala, senão nóis num entende, home!” – ”Então eu vô vortá a vortá”.

– “Discurpe, dotô, mai num dá pro senhô falá qui nem qui nóis fala? Senão nóis num intende!” Interrompido pela quarta vez, o médico finalmente se dá conta de que está falando em Mediquês, e o interlocutor não conhece essa língua. O que ele faz? Vai para o popular. Usa a linguagem de conhecimento do paciente. Diz-lhe, com todas as letras (que não colocarei aqui. E nem é necessário, porque vocês já fizeram a ideia…) : ”O senhor pega esse supositório e…” Aí o velhinho se volta para ele e diz candidamente: “Ói, dotô, eu bem que disse pra minha veia que o sinhô ia acaba ficando aborrecido com nóis…”

Em praticamente todas as áreas profissionais, criam-se formas próprias de falar, jargões, códigos do domínio apenas de quem pertence à categoria. Isso facilita a comunicação interna, pois a simplifica, mas complica a externa! Alguns termos usados num segmento têm sentido totalmente diverso do uso fora dele.

Um exemplo bem claro é o termo PRÊMIO. Na linguagem comum, é um ganho, algo que se recebe. No universo do seguro, porém, é o oposto: é o que se paga pela apólice garantidora do bem segurado. Outro termo, SINISTRO, é aplicado a um dano em relação ao bem ou à pessoa segurada, e é algo negativo. Pra moçada aqui fora, entretanto, é algo muito “joia”, “da hora”, “legal pacas…”

Espero que este artigo seja considerado sinistro! Mas espero que meu patrimônio não sofra nenhum… sinistro!

*J. B. Oliveira, consultor de empresas, é advogado, jornalista, professor e escritor.

É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Cristã de Letras.

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