Jânio Quadros voltou! Ele que voltou a ser prefeito dessa cidade entre 1986 e 1989, depois de ter renunciado em 1961, ao cargo de presidente da República. Nascido em 25 de janeiro de 1916, começou como vereador, sendo eleito em 1947, deputado estadual em 1950, prefeito de São Paulo em 1953 e governador em 1954
Professor de português, voz fina e rouca com sotaque interiorano, gostava de pronunciar palavras em mesóclise para impressionar o povo. “Fi-lo porque qui-lo” foi a mais famosa delas embora negasse a autoria. “Se o fizesse diria, fi-lo porque o quis”, explicou certa vez. Orador carismático, fez sucesso entre os eleitores pregando a moralidade administrativa. Usava sempre um mesmo paletó escuro que se enchia de caspas caídas do cabelo oleoso e nas campanhas eleitorais aparecia comendo sanduíches de mortadela nos botequins da Vila Maria, seu principal reduto.
Em sua primeira disputa pela prefeitura paulistana, conquistou grande popularidade ao usar uma vassoura como símbolo da limpeza que prometia fazer nos órgãos públicos. Seu lema durante a campanha à presidência da República também foi “varrer a corrupção”. Eleito com 48% dos votos, resultado que superou o recorde da época para o Brasil, tomou posse em janeiro de 1961, renunciou sete meses depois, alegando: “Forças terríveis se levantam contra mim e me intrigam”. Nunca explicou direito sua saída. Diziam que seu plano era retornar nos braços do povo e depois dissolver o Congresso, o que não aconteceu.
Cassado pelo regime militar retornou à vida pública no final da década de 1970, obtendo depois apenas uma vitória política ao derrotar FHC nas urnas em 1985, novamente disputando a prefeitura. Assumiu sem ter maioria plena entre os vereadores e por isso era questionado pela oposição sem, entretanto, dar muita bola ao que diziam. Jânio meio que agia por conta própria e certa vez buscando melhorar o sistema viário, mandou demolir um conjunto de antigos sobrados que alguns arquitetos a preservação em nome do patrimônio histórico.
O prefeito nem quis saber da opinião deles e em vez de tombar, mandou mesmo foi derrubar tudo e após a demolição apareceram os arcos que, ao que se presume, ninguém sabia antes da existência deles, pois a construção desse muro de sustentação de um barranco serviu de escora para as casas construídas por imigrantes do sul da Itália, propiciando a ligação entre a Rua da Assembleia, no Bexiga, e a Av. Brigadeiro Luiz Antônio. Mas a construção desse muro não aparece registrada nos antigos documentos da prefeitura. Especialistas informam foram construídos entre 1908 e 1913 nas barrancas do córrego Anhangabaú. Composto por 21 módulos, em arcos separados por pilastras, chegando a ter 11metros de altura em seu ponto mais alto.
O prefeito Jânio Quadros pelo que se entende também não sabia, mas aproveitou a oportunidade para dizer aos que antes reclamavam da demolição dos sobrados, que todos estavam recebendo em troca uma obra ainda mais importante merecendo essa sim ser preservada. E os Arcos da Rua da Assembleia foram depois batizados como Praça dos Artesãos Calabreses, mas a população acabou se referindo ao lugar dando a ele o nome do ex-prefeito também chamado por alguns de “burgomestre”.
Jânio Quadros morreu em 16 de fevereiro de 1992. Os anos passaram e o atual prefeito João Doria apresentou dias atrás o resultado das obras de restauração do espaço público que ficou conhecido mesmo como “Arcos do Jânio”. O local antes tomado pelos grafites, voltou às características originais, com tijolos de calcário visíveis ao custo de quase R$ 800 mil pagos pelo contribuinte a uma empresa privada que venceu uma licitação aberta pelo que consta ainda na gestão anterior.
As paredes ainda ganharam proteção química, com a aplicação de produtos antipichação. Câmeras de segurança também foram colocadas nos arredores para evitar atos de vandalismo, além de 38 projetores para dar uma nova cara aos arcos durante a noite, já que a coloração amarronzada passou a ter um tom de dourado com as lâmpadas de vapor de sódio escolhidas para iluminar o monumento.
Antes de trazer esse assunto à nossa coluna aqui no jornal Empresas & Negócios contei essa mesma história em minha página no Facebook e houve vários comentários interessantes dos seguidores. José Maria de Aquino, por exemplo, disse que “as tais construções históricas derrubadas por ordem do Jânio, não passavam de casarões velhos, caindo aos pedaços, sem nada de especial e que já tinham se transformado em cortiço”. Haroldo Kinder fez uma ressalva, afirmando que todos os moradores daquelas casas sabiam da existência dos arcos. “Nós que queríamos a preservação dos sobrados entendemos que essa história que estavam escondidos e ninguém sabia da existência foi uma criação da mídia que acabou justificando o ato do prefeito”, comentou.
Pelo e-mail que deixo nesta coluna à disposição dos leitores, recebi uma mensagem de Eugênio Luis Pinese, outrora GCM Eugênio, contando que teve, segundo ele, “a grande honra” de proteger e preservar as obras de restauro dos arcos, quando integrou a então na recém-fundada Guarda Civil Metropolitana, fazendo parte da vigilância do local por várias noites até o fim dos trabalhos. “Foram várias noites, mas graças a Deus, os nossos trabalhos foram tranquilos diante das dezenas de cortiços e seus moradores que teriam de deixar as casas”, descreveu o leitor que acabou nos inspirando para a elaboração dessa matéria.
Enfim, para concluir, devemos lembrar que Jânio Quadros se elegeu prefeito em 1985 se aproveitando de um erro político cometido por FHC, candidato então do PMDB e líder nas pesquisas. Dois dias antes da eleição FHC pousou para fotos da imprensa já sentado na cadeira do então prefeito Mário Covas e isso deu primeira página nos jornais. Fazendo uso da situação, Jânio citou a arrogância do adversário que já se achava prefeito antes mesmo da eleição. Tal atitude motivou os indecisos a votarem em Jânio que acabou eleito.
Logo depois de ser empossado, seguiu acompanhado dos correligionários até o seu novo gabinete, então no Pavilhão Manoel da Nóbrega, no Parque do Ibirapuera e chamou os fotógrafos. Com uma lata de um inseticida em spray nas mãos, ‘desinfetou’ a cadeira para dizer em seguida: “Gostaria que os senhores testemunhassem que estou desinfetando esta poltrona porque a mesma foi usada antes da hora por nádegas indevidas”. E ainda completou, “porque o senhor Henrique Cardoso nunca teria o direito de sentar-se cá e o fez, de forma abusiva. Por isso desinfeto a poltrona”. Fim de papo. Assim era Jânio Quadros.
(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).