PALAVRINHAS que dão vontade de dizer um PALAVRÃO!
Garanto – quase juro –, que já tentei, por diversas vezes, comprar duzentos gramas de presunto, tanto em padarias como em mercearias. Não o consegui! Invariavelmente, o balconista se volta para mim e – com ar de professora corrigindo o aluninho de primário – indaga, acentuando bem a última sílaba da primeira palavra, “du-zen-TAS gramas de qual presunto? ” Por alguns segundos, reflito se valeria a pena dizer-lhe que não tenho campo de futebol em casa e, portanto, a grama a que me refiro não é a descrita pela palavra feminina originária do latim “gramina”, que significa relva, gramado, e sim a palavra masculina que veio do grego “gramma”, que designava uma antiga medida de peso para pedras preciosas, também chamada escrópulo. Rendo-me e apenas digo a marca ou tipo do tal embutido que quero comprar. Acontece que tenho pressa de encerrar a questão porque devo dar UM telefonema e, seu disser isso a ele, é capaz de uma vez mais corrigir-me: UMA telefonema! Ora, grama e telefonema não terminam por “A”? E a regra gramatical não diz que tais palavras são femininas? É só conferir: A casa, A faca; A rua; A calçada; A bandeira; A pátria; A poesia; A literatura; A história, A presidenta…
Opa! Aí não. Porque essa forma – embora tenham buscado encontrar para ela alguma justificativa – nunca teve aceitação “ampla, geral e irrestrita”. A par disso, está em absoluto desuso há muito tempo. E quando um vocábulo não tem mais uso corrente, torna-se um ARCAÍSMO, que é um vício de linguagem e, em consequência, um erro gramatical!
A propósito, se há uma determinação oficial de chamar a mulher PRESIDENTE de PRESIDENTA, é justo pleitear a recíproca para os homens, e passar a usar os termos: artisto, atleto, pianisto, vocalisto, diplomato, humanisto, dentisto, propagandisto, jornalisto, radialisto e por aí afora…
Recentemente alguém me disse: “Tenho muita DÓ das pessoas carentes”. Eu lhe perguntei: “ E você tem também RÉ, MI, FÁ, SOL, LÁ e SI? “. “Como assim? Não estou entendendo!?” disse, entre surpreso e irritado. Expliquei-lhe então que essa palavrinha, de apenas duas letras e uma sílaba, é MASCULINA, tanto quando significa compaixão, comiseração como quanto se refere a uma nota musical. Ocorre que, nesse último caso, pode-se subtender a expressão “A nota musical DÓ”!
É oportuno lembrar que a escala musical com essas sete notas foi criada por Guido Arezzo, monge beneditino que viveu de 992 a 1050, tendo dedicado sua vida à música. Nesse sentido, para facilitar o aprendizado e o uso dessa, que era uma das Sete Artes Liberais da antiguidade, desenvolveu um sistema escalar, baseado em um hino em louvor a São João Batista que, em latim, tinha estas estrofes: UT quant laxis/ REsonare fibris/ MIra gestorum/ FAmuli tuorum/ SOLve polluti/ LAbrii reatum/ Sanct Iohannes”.
Mais tarde, o UT foi substituído por DO. Segundo alguns estudiosos, pelo próprio Arezzo, tomando a última sílaba de seu primeiro nome: GuiDO. Para outros, a alteração teria sido feita pelo maestro Giovanni Battista DOni, também com base em seu nome.
Para tornar mais interessante essa rememoração, segue a tradução do hino: “Para que teus servos/ Possam, das entranhas/ Flautas ressoar/ Teus feitos admiráveis/ Absolve o pecado/ Desses lábios impuros/ Ó São João”.
Outra palavra cujo gênero quase todas as pessoas trocam é CAL, “substância branca, grosseiramente granulada, obtida pela calcinação do carbonato de cálcio e usada em argamassa, na indústria cerâmica e farmacêutica”. Por alguma razão desconhecida, entendem que cal é palavra masculina quando, na realidade é feminina. É A CAL e não o cal. Será que a troca se dá por analogia, ou contaminação gramatical com O SAL?
Sal que, por sinal, é usado para dar paladar à salada. Principalmente a de ALFACE.
E aqui está outro vocábulo que sofre do mesmo mal! Volta e meia ouço ou leio “O ALFACE”, no masculino, quando o correto é A ALFACE.
Essa palavra que, em português, derivou do árabe al-khass, designa uma planta hortense, da família Lactuca sativa. Por isso, seu nome em inglês é lettuce; em italiano lattuga, em espanhol lechuga e em francês laitue.
Fugindo a todas essas formas, o alemão prefere chamá-la simplesmente de salat…
De qualquer forma, porém, e em qualquer língua, é bom não abusar do sal. Ou, se preferirem complicar, do cloreto de sódio!
J. B. Oliveira é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista.
É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras.
[email protected] www.jboliveira.com.br