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Grama: no jardim ou na balança?

em Colunistas, J. B. Oliveira
segunda-feira, 10 de julho de 2017

Grama: no jardim ou na balança?

J. B. Oliveira

As pessoas atentas às regras gramaticais já sacaram a que essa pergunta se refere. É ao GÊNERO de algumas palavras de nossa “última flor do Lácio, inculta e bela”: a rica, versátil e bela língua portuguesa. A palavra GRAMA, em relação ao jardim – e com o sentido de relva, erva, capim – é FEMININA. Vem do substantivo latino Gramen, graminis e classifica uma planta poácea rizomatosa de folhas glaucas (caprichei!). A ela se aplica o ditado popular “A grama do vizinho é mais verde”!

Já em relação à balança, e significando uma unidade de medida de massa equivalente à milésima parte do quilograma, a palavra é MASCULINA! Sua origem é o termo grego Grámma, grammatos. Então se nos referimos a peso, a forma correta é o masculino. Por isso, não devo pedir “Duzentas gramas de mortandela”, mas “DUZENTOS gramas de mortadela” (Claro que o sabor não é o mesmo: mortaNdela é, sem sombra de dúvida, muito mais gostosa que a insossa mortadela. Ainda mais sendo DUZENTOS gramas…). Sei que muitas pessoas – principalmente os balconistas da padaria ou da mercearia – vão nos olhar com ar de piedosa superioridade e corrigir: “O senhor quer DUZENTAS gramas de mortaNdela?!). Esta é uma daquelas palavras em que a versão certa parece errada e vice-versa. É que a forma popular, incorreta, flui muito mais do que a correta, que fica com ares de rebuscada, pedante. pernóstica…

Mas a questão do gênero das palavras referentes a objetos não fica só em grama. Há outros vocábulos que apresentam o mesmo fenômeno.

É o caso de CAL (óxido de cálcio, fórmula CaO), que muita gente pensa ser – e usa como sendo – palavra masculina. Talvez em razão de seu emprego se dar principalmente na composição da argamassa, nas construções, portanto na área de atuação dos pedreiros…). Entretanto ela é do gênero feminino. Você deve pedir então “Quinhentos gramas DA cal hidratada…”.

Mais uma? ALFACE. É comum falarem, erroneamente, O alface, quando essa palavra, aplicada para dar nome à hortense originária do leste do Mediterrâneo e utilizada na alimentação humana desde cerca do ano 500 antes de Cristo, é do gênero FEMININO. Oriunda do árabe AL-KHASS, a palavra chegou a nós com sonoridade semelhante: al-khass, alkas, alfaz, alface.

Nessa mesma linha, muitos dos termos portugueses com início em AL, vieram do vocabulário árabe, como alfaiate (alkhayyât); alfazema (al-khuzâma ou alhuzaima); Alcântara (al qantara) e alcachofra (al harxufa ou al harxofã) entre tantos outros. O curioso é que outras línguas – até mesmo as da mesma família do português, como o espanhol, o italiano e o francês – adotaram forma vocabular diversa, partindo do latim LACTUCA, que deu origem à palavra LACTUGA, alusiva à substância branca, leitosa, advinda do caule seccionado da planta. Provieram daí o vocábulo italiano lattuga; o espanhol lechuga; o francês laitue e o inglês lettuce. O alemão vale-se de mais de um modo: salat; grüner salat; kopfsalat e lattich. Os eslovenos usam o termo solata e os croatas, zelena salata.

A lista se estende por muitos outros termos que sofrem a troca de gêneros (são verdadeiros casos de transgêneros vocabulares), como champanhe, que é masculino, embora muitos insistam em falar “A” champanhe e o crepe, também masculino. Por outro lado, musse (há quem prefira a forma francesa mousse), e palavra feminina.

A seguir, vem A omelete – outra vítima dessa troca – também vinda do francês omelete. Seu berço mais remoto é a antiga Pérsia, onde era um prato nobre e muito apreciado. É indispensável citar outra iguaria, que nos chegou pela mesma França: A quiche! Seu nome deriva de küche(n), que significa pastel em alsaciano, dialeto alemão falado na Alsácia, no noroeste da França, cuja capital é Estrasburgo.

Devido à renitente e persistente confusão de gêneros entre essas duas últimas palavras, o Dicionário da Academia Brasileira de Letras e o Dicionário Houaiss resolveram classificá-las entre os substantivos comuns de dois gêneros. Pronto: pode se falar A omelete ou O omelete; A quiche ou O quiche… (mas é bom advertir que essa condição não é aceita por todos os dicionaristas e gramáticos…).

A coisa toda seria bem mais simples se – lá atrás – os homens não tivessem tido a brilhante ideia de construir uma torre bem alta, que os levasse até o céu. Não aceitando bem a iniciativa, Deus “interditou a obra”, de uma maneira bem sutil: desfez a comunhão da língua, então existente, e cada grupo passou a falar um idioma diferente.

E nunca mais se entenderam!

 

*J. B. Oliveira, consultor de empresas, é advogado, jornalista, professor e escritor.

É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Cristã de Letras.

www.jboliveira.com.br – [email protected]