Quando falamos em ética empresarial, sempre me recordo de um dilema clássico. Ele é conhecido como Problema do Bonde. Em um jogo de decisões delicadas e pouco óbvias, estamos ao lado de uma linha ferroviária. Nesse ponto da via, há uma bifurcação com uma alavanca, que direciona o bonde para um de dois itinerários possíveis. O problema é que em um caminho estão quatro pessoas amarradas aos trilhos. No outro, há apenas um indivíduo preso à linha.
Tão logo percebemos esse cenário aterrorizante, notamos a vinda de um trem desgovernado. Ele caminha em alta velocidade pelo trajeto onde está o quarteto imobilizado. Certamente o grupo irá morrer atropelado se nada for feito. Somos os únicos capazes de evitar a tragédia. O que fazemos?! Assistimos imóveis à morte de quatro seres humanos ou acionamos a alavanca e enviamos o trem para o caminho onde só tem uma pessoa sob os trilhos? Não há uma terceira alternativa, só essas duas opções: ficar de espectador ou apertar o dispositivo da ferrovia.
Repare que a resposta para esse desafio moral não é nem um pouco simples. Se não mexermos na alavanca, temos uma tragédia com quatro vezes mais mortes. Porém, não somos os responsáveis pelas vidas perdidas. Por outro lado, se tirarmos o trem do trajeto programado, temos apenas um falecimento. Contudo, somos culpados diretamente por esta morte, um peso a ser levado para sempre em nossas consciências. Esse é o paradoxo do Problema do Bonde.
Qual é a melhor decisão (ou a “menos ruim”) e qual a conduta correta (ou a “menos incorreta”) para essa situação especificamente? A resposta depende do ponto de vista. Segundo filósofos da linha utilitarista, como Jeremy Bentham e John Stuart Mill, o ideal é sempre minimizar o sofrimento humano. Assim, temos que puxar a alavanca sem pestanejar e reduzir o número de vítimas. Para os pensadores adeptos da corrente de que “os fins não justificam os meios”, que teve Kant como figura principal, matar é errado não importa as circunstâncias. Dessa maneira, não podemos assassinar um indivíduo propositadamente por melhores que sejam as intenções. Se abrirmos exceções aqui e ali, sabe-se lá aonde chegaremos nas mortes.
Quando trago o Problema do Bonde para o universo corporativo, muita gente acha que se trata de algo distante e de difícil aplicação na realidade cotidiana. Será mesmo?! Faz algumas semanas, almocei com um velho amigo que foi alçado recentemente à liderança de uma empresa de aproximadamente 2 mil colaboradores. Em nossa conversa, o CEO me confidenciou que não sabe o que fazer. Há vários anos, sua companhia passa por sérias dificuldades e corre o risco de fechar as portas. O plano sugerido pela empresa de consultoria é demitir 15% da equipe, ou 300 funcionários. Com essa medida, as finanças serão reequilibradas no curto prazo e a ameaça de falência iminente desaparece do horizonte.
Meu amigo não quer afetar negativamente três centenas de profissionais (e, por consequência, 300 famílias ou mais ou menos 1.200 pessoas). E posterga a tomada de decisão o quanto pode. Sem perceber, ele acaba colocando em risco os outros 85% do time (1.700 profissionais, 1.700 famílias e cerca de 6.800 indivíduos). Note que a demissão de 15% da mão de obra é uma responsabilidade direta dele (uma de suas principais decisões no novo cargo). Entretanto, a falência e o desemprego de 100% da equipe nunca será um fardo que carregará sozinho (ele será o menos culpado pelo fechamento do negócio que padece há tanto tempo).
Confuso e extremamente angustiado, ele me perguntou o que eu faria se estivesse em sua posição. Ao invés de responder segundo meus critérios, juízos de valor e moral, apresentei o Problema do Bonde. Afinal, o que meu amigo faria se estivesse ao lado da linha de trem? Para esse caso específico, ele disse que não pensaria duas vezes e agiria de determinado jeito. Tão logo respondeu, seus olhos me mostraram que havia entendido a relação entre o clássico desafio filosófico e a realidade profissional que estava envolvido. Sua fisionomia era um misto de alívio e de alegria com a conclusão obtida. Fiquei com a sensação de que a partir daquele momento ele saberia como agir sem tantas dúvidas e incômodos.
E para você: qual a postura ideal no caso da linha de trem? Você puxaria a alavanca ou não? Já tenho minha decisão e acho que não a mudaria por nada. E você, tem convicção do como agir nesse cenário tão complicado?!
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Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.