As sentinelas da liberdade
Os jornais insistiam em não se submeter à imposição do governo. Os jornalistas sonhavam com a liberdade de imprensa, que partia da Europa e dos Estados Unidos e se espalhava pelo mundo.
Como não podia deixar de ser, chegou ao Brasil. Contudo não era essa a disposição do Estado brasileiro. Publicar notícias, comentários, opiniões, tudo bem, desde que fossem favoráveis ao governo. Andar pelos caminhos da oposição já não era tão livre, leve e solto. Havia riscos. Quando não era o imperador em pessoa que ordenava o fechamento dos jornais, eram seus paus mandados que executavam o serviço sujo.
O primeiro a cair foi o Reverbero Constitucional Fluminense. Fundado antes da independência por Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, foi fechado quando se indispôs aos ditames autoritários de Dom Pedro I. Ledo nem tomou posse como constituinte, teve que se exilar na Argentina. Logo depois foi a vez do Correio do Rio de Janeiro, de José Soares Lisboa, preso e condenado a dez anos de cadeia. O jornalista Augusto May, foi atacado, e agredido em sua própria casa pelo conteúdo do pasquim. A Malagueta apoiava o soberano, mas mesmo assim o seu editor foi espancado e teve as mãos aleijadas.
E nem mesmo os irmãos Andradas escaparam da fúria contra os jornais. O Tamoio não resistiu. Pior para Cipriano Barata e sua Sentinela da Liberdade, que mudou muitas vezes de endereço, de acordo com a cadeia que seu editor ia sendo transferido. Sobrou para o jornalista Líbero Badaró, editor do Observador Constitucional e crítico do absolutismo, a sanha dos apoiadores de Dom Pedro I. Foi assassinado. Essa política durou até que o imperador abandonou seu projeto americano e retornou para ser rei de Portugal, onde foi recebido como um liberal.
Os jornais publicados na república velha também passaram por maus pedaços. Logo no governo do primeiro civil, Prudente de Morais, uma turba invadiu jornais acusados de quererem a restauração da monarquia. Não havia sossego. Até 1930 vários jornais foram invadidos, jornalistas agredidos e a liberdade de imprensa que não havia no império, também não prosperou na república. As oligarquias latifundiárias estavam atentas aos que eram contrários ao sistema implantado no Brasil. E não se podia esperar coisa melhor com a ascensão do caudilho Getúlio Vargas.
A repressão ganhou contornos sistêmicos e passou a fazer parte da política do Estado Novo, a partir de 1937. A fundação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) de um lado e da polícia política de outro criaram as duas pinças que se fecharam sobre as comunicações. Inspirados nas práticas nazi fascistas, as torturas, as masmorras e as ameaças garantiam ao ditador uma imprensa dócil e colaborativa.
A quarta onda de ataques contra a imprensa ocorreu depois do golpe de 1964. Os veículos impressos e eletrônicos passaram a ser vigiados. Mesmo os que apoiaram o golpe sofreram censura na medida que a revolução devorava a revolução. O quadro foi o de sempre. Jornalistas presos, torturados, censores na redação e depois no telefone do chefe. Tudo mudou com a constituição de 1988 e as garantias lá enumeradas.
Houve um tempo que os jornais eram compostos com letras de chumbo. Uma vez pronto era levado aos equipamentos de impressão e daí para as ruas, os assinantes e as bancas de jornais. Os ataques contra eles visavam a redação e a gráfica. Vândalos destruíam as máquinas, e se esfalfavam em jogar os tipos móveis no chão para que se misturassem. O dano era imenso. Os tipógrafos tinham que recuperar letra por letra e que muitas se perdiam. Levaria meses para reorganizá-las.
Era um jogo de paciência cujo vencedor era a vontade de novamente publicar, informar as pessoas daquilo que se considerava relevante. Era um verdadeiro linchamento que visava impor o silencio de um jornal ou uma publicação. Esse vandalismo foi chamado de empastelamento. Com o tempo designa qualquer ato de violência contra veículos de comunicação. De qualquer forma é inaceitável em uma democracia.
A pretexto de denunciar os casos de violência contra as mulheres um grupo de manifestantes, comandados pelo MST, invadiu o parque gráfico do jornal O Globo, em Duque de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro. O protesto avançou para pichação de parede e portas, o que impediu o trabalho no local. Do outro lado o MST disse que o objetivo da ação era denunciar a atuação decisiva da empresa sobre a instabilidade política brasileira. Destaca a atuação de O Globo no processo de golpe contra a presidente Dilma e a perseguição ao ex presidente Lula para inviabilizá-lo como candidato em uma eleição democrática.
É possível afirmar que a liberdade de publicar mudou com o tempo?
(*) – É âncora e editor-chefe do Jornal da Record News, em múltipla plataforma.