Aí vão mais frases mal…ditas!
* J. B. Oliveira
Nesta terceira edição do tema, segue valendo a mesma observação feita desde a primeira: a referência não é à palavra maldita, vocábulo que traduz a ideia de maldição, danação, imprecação, esconjuro, anátema etc., mas à palavra dita mal, isto é, de forma incorreta, fora do objetivo contextual a que se destinava…
A frase que focamos agora foi pronunciada no início deste mês, mais exatamente no dia 6. Em pronunciamento já de pré-campanha, o candidato a vice-presidente na chapa do deputado e capitão da reserva do Exército Brasileiro Jair Bolsonaro, general-de-exército Antônio Hamilton Martins Mourão, declarou que o Brasil “herdou a cultura de privilégios dos ibéricos, a indolência dos índios e a malandragem dos africanos”!
Talvez ele estivesse, de certa forma, aludindo ao poema “Raça”, que tenho recitado em algumas ocasiões no Brasil e em Portugal. Naquele país, eu a declamei no auditório da Universidade de Coimbra e, posteriormente, em entrevista à RTP – Rádio e Televisão Portuguesa (o Youtube tem esse registro). Os versos iniciais dizem:
“O brasileiro traz dentro de si
Um português, um negro e um índio guarani.
O luso deu-lhe a fibra audaz, arrojadiça
E a fidalguia própria dessa raça.
O índio, a indolência, a preguiça,
O amor à pesca, a inclinação à caça.
No excesso de carinhos e de zelos,
Reflete do africano o meigo coração,
E às vezes, do cabelo, aquela permanente ondulação”
O poema segue, mas fico por aqui. Nele, há uma leveza de poesia nas expressões usadas e, além disso, a famosa “liberdade poética”, que quebra rigores, preconceitos, tabus e paradigmas. Em um discurso político, porém – principalmente proferido por alguém que é par de um candidato extremamente combatido por certos grupos – a coisa muda de figura! Pode ser tomada como expressão ofensiva, agresiva e preconceituosa! Foi o que aconteceu: A Ong EDUCAFRO – Educação e Cidadania de Afrodescendentes, protocolou pedido de investigação por parte do Ministério Público do Rio Grande do Sul!
O caso nos remete a um precedente bem antigo, dos anos 1960! Na corrida presidencial daquele ano, concorria com Jânio Quadros um militar de alto coturno e indubitável competência, que havia sido ministro da Guerra do governo Juscelino Kubistchek de Oliveira. Era o Marechal (sim, naquele tempo havia esse posto, de general cinco estrelas!) Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, brioso militar, amante da legalidade e da democracia, nascido em Minas Gerais, em 16 de novembro de 1894 e falecido no Rio de Janeiro em 19 de maio de 1984. Conta-se que recebeu uma espada de ouro, ofertada pela comunidade defensora da legalidade constitucional. (Segundo familiares, ele recusou o valioso e honroso presente e continuou usando a espada convencional,)
Excelente como militar, não era tanto como orador. Possivelmente o hábito da linguagem da caserna limitasse, engessasse sua comunicação com o público.
Verdade ou não, diziam que cada vez que fazia um discurso de campanha, ganhava votos… para o adversário! No caso, o “hors concours” em comunicação e falas Professor Jânio da Silva Quadros…
Narra a lenda – e pode ser nada mais que lenda – que, falando em um grande comício em Belo Horizonte, capital de sua terra natal, com ênfase à sua indubitável reputação de homem probo, honesto, leal e disciplinado, teria se saído com esta:
“Eu, se eleito for, farei em minha vida pública o que sempre fiz na privada!”
Pois é, nos cursos de Oratória destaco que a Estilística recomenda que tornemos o discurso mais leve e agradável pelo uso da elipse, que consiste na supressão de uma palavra ou expressão facilmente entendível pelo contexto.
É um bom recurso. Mas exige muito cuidado, como no caso em foco!
*J. B. Oliveira, consultor de empresas, é advogado, jornalista, professor e escritor.
É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Cristã de Letras.
www.jboliveira.com.br – [email protected]