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Universidades, santuários do justo

em Artigos
segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Amadeu Roberto Garrido de Paula (*)

Sem Universidades e o conhecimento delas emanado nenhum país seria país e o mundo não seria mundo.

Nosso processo civilizatório passa pelas instituições de ensino e pesquisa dos mais profundos segredos da vida, cujo desconhecimento nos manteria numa gruta cinzenta e fria. A evolução humana não depende da acumulação de capital, mas do conhecimento científico, em todos os níveis – tecnológico, humanista e suas ramificações.

Colorimos esse aspecto da vida humana sobre este planeta ao verificar a xenofobia desbragada que inspira Donald Trump – não em terreno de campanha, mas de governo. É concreta a ameaça de deportar jovens universitários não naturais dos Estados Unidos. Embute-se nesse procedimento brutal, sem ser expresso, o mote da raça pura que incendiou o mundo através do nacional socialismo. Universitários que assimilaram conhecimentos, por exemplo, na mais qualificada universidade do mundo – Harvard – e, seja lá seja em seus países de origem, os devolveriam para o bem do orbe – e dos americanos.

Precisamente a coragem juvenil de resistir a Trump foi cimentada em Harvard. A ideia teve o curso de um raio e já abarca cerca de 5 mil instituições superiores, tais como Yale, Universidade de Nova York e Stanford, na Califórnia. E consiste em blindar os colegas não americanos de deportações, contando-se com o compromisso do corpo docente e das mais altas autoridades do saber. Esse é o único quartel sagrado que pode segurar as manifestações de “delirium tremens” de Trump. Um homem que, provavelmente seguindo o método que o tornou bilionário, não verá limites para seus diabólicos e esquivocados propósitos.

Equivocados porque a grandeza dos EUA foi concretizada por maioria de imigrantes. Atente-se à análise de Matt O’Brien, do de “Washington Post”, ao pontuar que os imigrantes mais qualificados são os que pagam mais impostos, sem contrapartida correspondente; impulsionam os maiores negócios; mais da metade da atual safra de startups bilionários do Vale do Silício foi fundada por imigrantes; as empresas de tecnologia que ficaram em desvantagem no sorteio de vistos de 2007 e 2008 não reagiram contratando mais trabalhadores nativos, mas menos; imigrantes criam empresas e empregos nos EUA, de modo que Trump teria problemas com 40% das empresas da Fortune, a exemplo da Apple, Google e Oracle. O jornalista conclui que Trump não tem a mínima noção do que faz seu país grande.

Isso sob o aspecto pragmático de interesse dos EUA. No entanto, a manifesta esquizofrenia de Trump, nada diversa da que acometia o Füher, muito embora a história não seja, “sic et simpliciter”, obra só de líderes, fica evidenciada em sua brutal agressão aos princípios mais elementares da solidariedade humana, erigidos como fundamentais pela Organização das Nações Unidas. Como se sabe, o esquizofrênico está em conflito com o mundo circundante e torna-se um diabo agressivo. A resposta que não se tem é como personalidades tão doentias logram sucessos eleitorais e o aplauso das massas.

A iniciativa dos estudantes de Harvard será a grande pedra no sapato de Trump. Um governo chega ao extremo de seu despotismo ao ignorar a autonomia das Universidades e investir contra os cérebros mais importantes e prometedores da nação, dos quais necessitam indispensavelmente e, ainda, para não agredir símbolos tão tradicionais do país. Posso afirmá-lo porquanto bacharelei-me em direito num desses santuários, sob a ditadura militar. A polícia política jamais teve a ousadia de invadir a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. É certo que o mesmo não se deu com a PUC, mas a ditadura pagou um preço significativo por isso.

No máximo, agentes forçavam a verificação dos arquivos para localizar endereços de estudantes procurados, mas tão logo se ia o Diretor, liberal em sua cátedra de economia, mas igualmente liberal no campo das relações humanas, imediatamente comunicava o fato ao Centro Acadêmico, o que permitia aos procurados se evadirem dos trogloditas da repressão do regime militar. Conclui-se que a agregação dos corpos docentes às iniciativas estudantis nos EUA, no enfrentamento de atos que não mais se esperavam no século XXI, formará a melhor tropa de resistência democrática aos ataques da direita nazifascista.

(*) – É advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.