Clemente Ganz Lúcio (*)
A história é uma construção social tecida também por mãos anônimas e com fios invisíveis.
Há infinitos interruptores históricos que, em um clic, liberam ou travam o fluxo de processos sociais. A primeira metade dos anos 50 foi de muita mobilização sindical que culminou, em São Paulo, na grande greve unitária dos 700 mil de 1954. Nessa luta os trabalhadores forjaram a solidariedade de classe materializada no Pacto de Unidade Intersindical (PUI).
Fez muito frio no ano de 1955, mas na política o clima era quente, com muitas mudanças desde o suicídio de Vargas. Em outubro Juscelino Kubitschek venceu as eleições com a chapa JK/Jango, em uma campanha baseada no desenvolvimentismo e na modernização da indústria nacional. Lacerda, apoiado por militares e parte da grande imprensa, tentou desqualificar e desarticular a vitória de JK com uma falsa carta que, segundo ele, provaria a intenção de Jango em estabelecer um regime sindicalista, inclusive oferecendo armas aos operários.
Retardado pelo clic do revólver de Getúlio em 54, dez anos depois o golpe civil militar se materializaria. Em São Paulo a ação intersindical se amplia, fortalecendo a unidade das categorias e formando a base de grandes mobilizações, lutas e de greves históricas. Em novembro, o presidente Café Filho se afasta por problemas cardíacos. Carlos Luz, presidente da Câmara, assume e indica novo Ministro da Guerra, no lugar do marechal Lott.
Prenuncia-se um golpe. Lott e militares legalistas denunciam manobra e afirmam resistir. Café Filho tem súbita recuperação! Lott desconfia da manobra e entrega a presidência em 11 de novembro a Nereu Ramos, catarinense e presidente do Senado que, em 31 de janeiro de 1956, transmite o cargo à JK.
Em dezembro o clima político fervia com manobras e movimentos nos bastidores da arena política da capital federal, Rio de Janeiro. Em São Paulo os operários se movimentavam, agitados. O país estava em estado de sítio. Neste canteiro histórico, com muita poeira e barulho, no dia 22 de dezembro de 1955, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, na rua São Bento, recebeu os 19 dirigentes das entidades sindicais que deliberaram pela criação do DIEESE.
Como disse Tenorinho: “O DIEESE passou por todo um sistema de preparação. Ele não surgiu de um estalo, não, ele foi fruto de todo um acúmulo de aprendizagem. Fizemos o Pacto de Unidade Intersindical, que começou com cinco sindicatos: gráficos, metalúrgicos, marceneiros, têxteis e vidreiros… E todas as nossas lutas sindicais encontravam a barreira de como provar que era aquela percentagem que os trabalhadores reivindicavam, não tinha como, não tinha um aferidor. Então surgiu a ideia da gente criar o nosso próprio organismo de levantamento de custo de vida.
Aí eu, como secretário do Pacto; Salvador Romano Lossaco, presidente do Sindicato dos Bancários – aqui eu rendo a minha homenagem, porque sem ele não “tinha” existido o DIEESE; Remo Forli, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos – eram os dois maiores sindicatos na época, os mais combativos eram esses dois. Nós fundamos o DIEESE…Foi um negócio muito bonito, uma vitória grande.” (esse e muitos outros depoimentos estão disponíveis em www.dieese.org.br/dieese memória).
Há 61 anos aqueles dirigentes sindicais deram um clic e liberaram o fluxo de energia que não mais parou de fluir. O DIEESE nasceu e cresceu assim, nas lutas e na tensão. Nesse tempo os valores da solidariedade, da justiça, da liberdade e igualdade se materializaram em milhares de números, pesquisas, estudos, cursos, negociações.
Milhares de mão colocaram, juntas, cada tijolo dessa obra. Hoje, os jovens que continuarão essa construção já estão se conectando com essa história, tá ligado!?
(*) – É diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e do Grupo Reindustrialização.