Segurança? Um desastre. Nunca se viu tanta morte por bala perdida. O Rio que o diga. Educação? Uma piada. Weintraub, aliás, gosta de chiste. Mobilidade urbana? Um atraso. As massas comprimidas nos transportes públicos exibem a estética das carências. Saúde? Um caos. Os corredores de hospitais superlotados de macas testemunham. Que área mostra boa qualidade? Aponte-se uma sequer. Difícil.
O país precisa de um gigantesco choque de gestão. Governadores, prefeitos, a hora é essa: ponham sua administração no estaleiro. Ou na UTI. Convoquem seus secretários. Cobrem mudanças urgentes. Deem carta branca para que possam organizar novos métodos. Mas exijam resultados imediatos. Sob pena de demissão. 2020 vem aí. E o eleitor está de olho nos governos e nas prefeituras, podendo dar o passaporte de ida sem volta aos alcaides. E eleger novos.
Sigam todos o exemplo de Zaratustra, o protagonista que Nietzsche criou para dar unidade moral ao cosmo. O profeta vivia angustiado à procura de novos caminhos, novas falas, novos desafios. Em seus solilóquios, recitava: “Não quer mais, o meu espírito, caminhar com solas gastas.” Decifrador de enigmas, arrumou a receita para as grandes aflições: “Juntar e compor em unidade o que é fragmento, redimir os passados e transformar o que foi naquilo que poderá vir a ser”.
Assim, escrevia uma “nova tábua”. A imagem do controvertido filósofo alemão, na fábula em que apresenta o famoso conceito de eterno retorno, cai como uma luva no ciclo da atual administração pública no Brasil, assolada por uma avalanche de maus serviços, críticas e denúncias. Urge compor novos arranjos para a orquestra institucional, construir pontes para o amanhã, reencontrar-se com as massas e resgatar a esperança perdida. Essas são as cores da bandeira a ser desfraldada neste instante em que a sociedade dá as costas para a velha política.
A tarefa, convenhamos, requer arrojo para enfrentar dissabores, a partir das pressões de políticos, chefões e chefetes. Muitos não vão querer eliminar gorduras. Preferem colar os cacos do vaso quebrado e mostrar a prateleira cheia de coisas remendadas. Benesses e apadrinhamento continuarão a proliferar. Afinal, o velho Brasil tem dificuldades de enxergar novos horizontes. Façam uma varredura para descobrir os pontos de estrangulamento interno. O que pode ser desobstruído? O que pode ser melhorado? Mudar onde e como? Se Vossas Excelências fecharem os olhos, a descrença social só aumentará.
O fato é que os Poderes da República geram um apreciável PIB comandado por compadrio político e que resvala pelo ralo do Custo-Brasil. Numerosos contingentes se aboletam no cobertor público. As políticas, inclusive as salariais, são disformes. O custo da ineficiência invade as malhas dos Executivos municipais e estaduais, das Câmaras de vereadores e das Assembleias Legislativas.
A gestão de resultados é um resquício quase imperceptível nas planilhas. Por isso mesmo, o Estado é visto pela população como um ente paquidérmico e caro. Junte-se à pasmaceira o colchão social do distributivismo para se flagrar a cara de um País que não consegue pegar o trem da história. A imagem da administração pública mais parece uma árvore que não gera frutos. E, quando gera, os frutos não têm sabor.
As estruturas carecem de uma virada de mesa. O cardápio está pronto: viagens de servidores, pro-moção e participação de empresas estatais em eventos, gastos com campanhas publicitárias, cartões corporativos, superlotação de es¬paços, nepotismo, enfim, todo e qualquer centavo gasto nas grandes avenidas e nas pequenas veredas do Estado deve ser objeto de varredura.
E atenção para a palavra de ordem do momento: transparência total.
Parafraseando Luiz Inácio, “nunca antes na história desse País” se ouviu tanta imprecação contra políticos e governantes. Se é falácia dizer que a Amazônia é o pulmão do mundo como denunciou Jair Bolsonaro na ONU, é também falácia dizer que as instituições estão sólidas. Ora, as tensões entre os Poderes subiram ao pico da montanha.
Senhores governantes, tenham ousadia e coragem. A gestão pública carece de cirurgia profunda. Sob pena de a esfera privada (oikos, em grego) continuar a invadir a esfera pública (koinon). E assim deixar que a fome particular continue a devorar o cardápio que pertence ao povo.
(*) – Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato. Acesse o blog (www.observatoriopolitico.org).