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Trabalho remoto e mudanças climáticas: a nova era das segundas residências

em Artigos
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Flávio Guerra (*)

No cenário pós-pandêmico, as fronteiras entre trabalho e vida pessoal passaram por uma metamorfose, redefinindo não apenas o modo como vivemos, mas também onde vivemos. Antes reservada para férias, feriados e fins de semana, a segunda residência ganhou um novo papel, tornando-se a primeira moradia para muitos.

O que antes era um refúgio, um local para escapar da rotina e recarregar as energias, agora se transformou em uma casa multifuncional. Basta trocar alguns móveis e “voilà” — um dos quartos é refeito em escritório. Isso foi possível graças às modalidades de trabalho remoto e híbrido, uma tendência acelerada pela quarentena. Modalidades que exigiram, por sua vez, a aceleração da digitalização e da conectividade. Agora, em qualquer localidade é possível instalar acesso à internet, um “portal” para o trabalho.

O experimento obrigatório fez com que muitas pessoas não quisessem mais voltar ao modelo presencial. As fez sentir que o trabalho à distância, seja integral ou parcial, economiza um tempo (de trânsito, por exemplo, mas também de tarefas, como se arrumar para sair de casa) que pode ser utilizado na vida pessoal. E o que seria melhor para a vida pessoal do que viver exatamente onde se deseja, certo? Acordar, tomar café da manhã com calma, com vista para um jardim construído sob medida ou para um lago em frente à própria casa.

A tranquilidade ao redor, nada de buzinas ou barulho de motores, nada que atrapalhe a concentração para iniciar um dia de trabalho. Além de, claro, poder usufruir de um espaço aberto sem se colocar em perigo, de onde vem o grande trauma da pandemia. Todo esse movimento ficou notável pelo crescimento do mercado imobiliário de luxo e o êxodo urbano que vimos no Brasil nos últimos anos. Mas acredito que uma nova motivação vem surgindo: os eventos climáticos extremos, especialmente, nas grandes cidades.

Ondas de calor inflamadas pelo concreto urbano, ventos que estão se tornando ciclones com mais frequência, tempestades que derrubam árvores, causam alagamentos, estragam a rede elétrica, invadem casas, comércios, arrastam carros e pessoas. Uma pesquisa do Datafolha, feita em dezembro de 2023 e publicada recentemente, mostrou que 94% dos brasileiros percebeu que sua cidade passou por alguma situação climática extrema no ano passado, e 40% acreditam que o bairro onde vivem não está preparado para essas situações.

Mesmo que não haja realmente para onde “fugir” quando o assunto é aquecimento global, é fato que os lugares inicialmente mais prejudicados pelo fenômeno são as grandes cidades, totalmente despreparadas para a resposta da natureza aos excessos humanos. Outro ponto é que, ao contrário das cidades que se expandem sem um planejamento adequado, as segundas residências costumam ser adquiridas em terrenos previamente estudados, com projetos de construção planejados para causar o menor impacto possível ao meio ambiente.

São casas que costumam fazer divisa com áreas de preservação, contornadas por um pavimento preparado para absorver as águas das chuvas. Os novos empreendimentos, aliás, também contam com esse modelo de casas com recursos que oferecem mais tranquilidade, como reconhecimento facial e câmera. Tudo isso torna a segunda — agora primeira — residência automaticamente mais segura para seus moradores.

(*) – É articulador do setor de desenvolvimento urbano, especialista em Gestão de Negócios Imobiliários e CEO da Construir Loteamentos.