Luiz Carlos Hauly (*)
As manifestações de 2013 incluíram na agenda política um tema espinhoso e que exige a manifestação urgente do Congresso: o foro especial por prerrogativa de função, mais conhecido por foro privilegiado.
Diversas entidades, entre elas o Ministério Público Federal, entraram em campo para exigir o fim, ou ao menos a limitação desse instituto, apontado por muitos como um instrumento não de aplicação de justiça e sim de impunidade aos detentores do foro. Que são os membros dos três Poderes (respeitando-se a tipicidade de cada um), mais os ministros do TCU e membros do Ministério Público.
O foro privilegiado é um instituto pelo qual se atribui a tribunais específicos da estrutura judiciária o poder de processar e julgar ocupantes de cargos relevantes, oferecendo-lhes um tratamento distinto daquele reservado aos demais cidadãos brasileiros. A criação desse instituto remonta à própria independência do País, visto que foi criado com a primeira Constituição brasileira, promulgada em 1824.
O parágrafo 16 do artigo 179 determinava: “Ficam abolidos todos os privilégios, que não forem essencial e inteiramente legados aos cargos, por utilidade publica”. As sucessivas constituições o mantiveram, especificando funções e instâncias jurídicas que nele se inserem e de cuja fiscalização se encarregam. Nenhum país desenvolvido é tão benevolente com seus agentes públicos como o Brasil.
As estatísticas atestam a fragilidade desse instituto na aplicação da justiça a seus beneficiários. Segundo a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), os tribunais superiores recebem mais processos contra autoridades do que são capazes de julgar. Uma de suas dificuldades é a falta de equipe e traquejo para a instrução penal, para a qual a primeira instância está suficientemente capacitada.
Levantamento da AMB atesta essa carência: apenas 4,6% das ações penais abertas no STF desde 1988 foram julgadas. No STJ, o índice é ainda menor: 2,2%. Somente em 27 de setembro de 2010, pela primeira vez em toda a sua história, o STF condenou uma autoridade com foro privilegiado, na Ação Penal nº 516. O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, contabiliza 22 mil pessoas com foro privilegiado. Isso, segundo ele, “é um entrave ao sistema brasileiro de combate à corrupção e à impunidade.”
Dallagnol tem nessa campanha um aliado de peso, que é o juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato. Ele ataca: “O foro privilegiado fere a ideia básica da democracia de que todos devem ser tratados como iguais”. Há várias propostas de emenda constitucional pelo fim ou limitação do foro privilegiado em tramitação no Congresso – algumas anteriores aos protestos de 2013. É preciso, portanto, acelerar sua tramitação.
A Lava Jato, que desnudou o mais ousado, amplo e voraz esquema de corrupção pública da história, torna premente a aplicação da Justiça a agentes públicos, que, para adiá-la, escudam-se no foro privilegiado. É hora de dar um basta!
O fim do foro privilegiado é indispensável à moralização da vida pública e à promoção de uma nova concepção de igualdade perante a lei.
(*) – É deputado federal (PSDB-PR).