Aurélio Melo (*)
Um jogo perigoso entre adolescentes está invadindo os noticiários e chocando a todos. Trata-se do jogo do desmaio ou da asfixia.
Adolescentes desafiam-se uns aos outros a promoverem uma espécie de “auto apagão”. O jovem sufoca a si mesmo, provocando um desmaio temporário. Acontece que um menino de 13 anos morreu recentemente nesse jogo. Seria intencional? Poderiam seus pais evitar? Essas são perguntas que todos têm feito. Vamos tentar entender.
Enquanto os adolescentes de décadas atrás permaneciam na rua, longe dos olhos dos pais, tínhamos a sensação que era preciso saber por onde e com quem andavam. Nos dias atuais, os adolescentes não estão na rua, mas em seus quartos, atrás da tela de um computador. E seus pais têm a sensação de controle, pois estão em casa e diante de seus olhos. No entanto, a internet é uma rua ou várias. Um mundo, virtual, mas com qual pode-se interagir muito mais do aquele dos anos 1970, por exemplo.
Portanto, a internet é um mundo, virtual, para o qual posso me conduzir e, lá, interagir adotando hábitos, linguagens e costumes próprios. E o que é a adolescência? É um fenômeno cultural, inventado pela modernidade, intermediando a infância e a vida adulta. O adolescente é um intermediário não reconhecido na sua condição. Nas palavras do psicanalista Calligaris, “ele nem é (mais) a criança amada, nem o adulto reconhecido”. Assim, o adolescente fica à espera da sua vez para ingressar no mundo dos adultos e adquirir sua autonomia e reconhecimento.
Enquanto espera, convive com sua própria “tribo”, assimilando seus códigos de conduta, sua linguagem e, principalmente, construindo sua identidade. O afastamento progressivo de seus pais é condição fundamental para essa tarefa de construção. Dito isso, temos o encontro de dois fenômenos da atualidade: a adolescência e o mundo virtual.
Diferentemente da rua, a internet é um mundo de possibilidades que, num primeiro momento, são virtuais. Mas o fato é que um jovem praticou o suicídio a partir de um jogo virtual. Não há fronteiras. Precisamos mudar formas de comunicação e de relação entre pais e filhos. Precisamos atualizar as leis. Parece que a tecnologia está sempre à frente da moral. Não se trata de vigiar simplesmente, mas procurar interagir. Conviver de fato com filhos, rever conceitos de privacidade, intimidade.
Quais são os riscos e os direitos de cada um. Por outro lado, precisamos abandonar a ideia da segurança absoluta. A adolescência é uma fase de risco porque precisamos deixar que os filhos comecem a se lançar no mundo e isso não pode ser livre de riscos. Ninguém resolveu o conflito liberdade versus segurança: quanto mais se tem um deles, mais renunciamos ao outro.
Ao menos uma hipótese, entre tantas, pode-se afirmar acerca das relações entre pais e filhos no mundo atual: abarrotados de tarefas diárias, somos mais tarefeiros que nunca, tomados pelo excesso do cotidiano, nossas vidas vão se individualizando ao extremo, obrigando-nos a delegar tarefas ea querer que os filhos tomem conta de si mesmos e que possamos monitorá-los de longe, mas sem invadir sua privacidade.
É possível?
(*) – É psicólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.