Reinaldo Dias (*)
A grave situação política, econômica e social que atravessa a Venezuela é um dos maiores desafios a serem enfrentados pela democracia latino-americana.
A deterioração gradativa se reflete numa inflação de 700% ao ano, com aumento da fome, da desnutrição, do desabastecimento e a falta de atenção médica e medicamentos. A pobreza, a violência e o desemprego assumem proporções gigantescas e muitos procuram deixar o país de qualquer modo, fugindo para países vizinhos, formando uma grande corrente migratória de desesperados. O quadro revela uma crise humanitária sem precedentes nas Américas.
O governo já não consegue dar a mínima condução à economia e fracassa na condução dos negócios do Estado. Sustenta-se através da repressão generalizada a seus opositores e manutenção de inúmeros presos políticos. A situação é agravada pelos níveis de total impunidade em que o governo ignora os direitos fundamentais e arma milícias para reprimir a dissidência. Há algumas semanas Maduro distribuiu meio milhão de armas às forças de choque dos chavistas, os assim denominados “coletivos”.
A violência está instaurada e impera nas ruas das principais cidades. Já somam quase 100 dias de mobilização intensa, quase diárias contra o governo. Nesse período foram mortos mais de 90 manifestantes, a maioria jovens. De março a junho, 376 jornalistas sofreram agressões. As forças de segurança agem com grande brutalidade e os coletivos armados fazem o resto. As respostas dos manifestantes tendem a ser cada vez menos pacíficas pela falta de alternativas. A possibilidade de uma guerra civil é concreta e iminente.
O regime venezuelano está em agonia. São muitos os sinais de sua desagregação. Militares descontentes têm sido detidos, são 123 desde que começaram os protestos diários. Outros desertam para países vizinhos. A Suprema Corte do país, chavista, foi atacada por helicóptero dirigido por militares dissidentes. Uma das principais juízas da Suprema Corte tornou-se uma das principais vozes discordantes no seio do regime.
A invasão do Parlamento venezuelano por milícias chavistas incentivadas pelo governo é o evento mais recente que revela um recrudescimento da situação política que vive o país. Brigadas chavistas invadiram o Parlamento, agrediram deputados eleitos democraticamente, deixando vários ensanguentados, além de deter durante horas centenas de pessoas como reféns. A situação está claramente descontrolada.
O governo venezuelano despreza a democracia e a seus representantes, não cumpre sua função de protege-los. Não há perspectiva real de que Maduro vá negociar com a oposição que tem uma maioria de quase dois terços no Parlamento. Na semana passada, o próprio presidente afirmou que “o que não consegue com votos, o fará com as armas”. Não se trata de uma declaração que busca a paz e a conciliação. Tudo indica que a Venezuela é um Estado falido, que já não detém controle da situação em todas as suas dimensões: econômica, política ou social. Seu fracasso revela a falência do Estado ditada por uma política inconsequente e predatória dos recursos de que o país dispõe.
Embora seja difícil uma saída para a crise, a melhor opção hoje seria construir uma aliança de países, integrada majoritariamente por nações latino-americanas, que ajudariam na construção de um pacto social na Venezuela evitando uma guerra civil. A aliança apresentaria determinadas condições para as partes em conflito e garantiria o seu cumprimento. Ocorre que para a construção dessa alternativa o Brasil teria que assumir o papel de articulador, pois além de ser o maior país sul americano, possui uma extensa fronteira com a Venezuela e está recebendo um enorme fluxo de refugiados.
O problema é que um governo frágil não consegue articular com os países vizinhos uma proposta desse nível e que demandaria uma liderança forte na região. Algo que o Brasil não tem assumido há muito tempo, marginalizando-se de importantes processos regionais como a recente construção da paz na Colômbia, da qual foi o grande ausente. Mas valeria o esforço, principalmente considerando a questão humanitária.
As organizações da sociedade civil também poderiam contribuir, pressionando o governo brasileiro para adotar ações mais incisivas e proativas no conflito venezuelano. Antes que seja tarde.
(*) – É professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas. Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pela Unicamp.