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O diferencial da tolerância

em Artigos
sexta-feira, 08 de abril de 2016

João Guilherme Sabino Ometto (*)

Chega próximo de 70 milhões o número de pessoas em movimento pelo Planeta em busca de abrigo e/ou socorro.

No momento em que é grave a situação dos refugiados em todo o mundo e se divulgam problemas que estão enfrentando em alguns países, é importante enfatizar o espírito de tolerância e pluralismo da sociedade brasileira, virtude que se destaca em meio às crises intermitentes que o País tem enfrentado.

Se a política e a economia, como ocorre atualmente, assustam os investidores, a convivência pacífica e fraterna entre imigrantes e suas comunidades, unidos sob a inspiração cosmopolita da brasilidade, é um atrativo para empreendimentos e o ingresso de capitais produtivos.

Não é sem razão que parcela substantiva do parque empresarial brasileiro — e não me refiro aqui às multinacionais — tenha origem no trabalho e no esforço de imigrantes, como os meus familiares, que vieram da Itália, em 1887, para trabalhar na lavoura como colonos. Entretanto, economia à parte, a prioridade nessa questão é de caráter humanitário, considerando a gravidade da situação relativa aos refugiados e pessoas que deixam sua pátria em busca da sobrevivência.

De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), chega próximo de 70 milhões o número de pessoas em movimento pelo Planeta em busca de abrigo e/ou socorro. É uma crise sem precedentes, com ênfase na Europa. No Brasil, conforme dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), havia 7.289 pessoas nessa condição, ao final de 2014, provenientes de 81 nações, principalmente da Síria, Colômbia, Angola e República Democrática do Congo. Bolivianos e haitianos não são refugiados em nosso país, mas sua presença é crescente.

Segundo a lei brasileira, o refúgio só pode ser concedido a quem provar estar sofrendo perseguição por motivos étnicos, religiosos ou políticos. De acordo com o Consulado da Bolívia, estima-se que mais de 350 mil bolivianos vivam na cidade de São Paulo e apenas 100 mil tenham documentação. Números são incertos, mas se calcula que sejam cerca de 500 mil imigrantes do país vizinho no Brasil. Cerca de 56 mil haitianos já vivem aqui. Em razão dos problemas provocados pelo furacão de 2010, nosso governo concede-lhes visto diferenciado.

Precisamos continuar sendo uma referência de solidariedade e tolerância para um mundo onde milhões de pessoas têm sofrido muito pela perseguição político-religiosa, cataclismos e miséria. O Papa Francisco, por ocasião do Dia Mundial do Refugiado (20 de junho), observou: “Faço votos de que a comunidade internacional atue para prevenir as causas das migrações forçadas. Convido todos a pedir perdão pelas pessoas e as instituições que fecham a porta a esta gente que busca uma família e proteção”.

Na mensagem de 2014, ele já alertava: “Os migrantes e refugiados não são peões no tabuleiro de xadrez da humanidade. Trata-se de crianças, mulheres e homens que deixam ou são forçados a abandonar suas casas, que compartilham o mesmo desejo legítimo de conhecer, de ter, mas, acima de tudo, de ser mais”. No Sínodo 2015, embora o tema tenha sido a família, Francisco salientou a importância de se respeitarem diferenças: “O que é considerado violação de um direito em uma sociedade pode ser preceito óbvio e intangível de outra. Na realidade, as culturas são muito distintas entre si, e todo princípio geral precisa ser observado”.

Pois bem, não há povo que tem sabido conviver tanto com as diferenças como o brasileiro. Esta virtude — expressa na Nova Lei da Migração, aprovada no Senado e em tramitação na Câmara, sendo objeto de uma Comissão Especial — precisa ser reforçada. Devemos nos blindar ante alguns casos que vêm ocorrendo em outros países, de modo a não nos deixar contaminar pelo preconceito, a intolerância e a discriminação.

O acolhimento e respeito aos que buscam trabalho, segurança e dignidade é um exemplo do Brasil para o Planeta. Porém, para cumprirmos com eficácia tal missão humanitária, precisamos mitigar a criminalidade e a violência, pois estas, por mais irônico que pareça, não diferenciam as pessoas por sua etnia, cidadania, religião, ideologia e gênero. São males que a todos atingem, de maneira cruel e indiscriminada.

(*) – Engenheiro (EESC/USP), é vice-presidente do Conselho de Administração do Grupo São Martinho, vice-presidente da FIESP e coordenador do Comitê de Mudança do Clima da entidade.