Yvon Gaillard (*)
Restando pouco mais de três meses para o final do ano, o Brasil vive hoje uma enorme expectativa para a tão esperada aprovação da reforma tributária. Com a promessa de melhorar a eficiência e a qualidade da tributação, além de trazer clareza e simplicidade para a população, já está mais do que evidente que, mesmo que tenhamos perdido o período correto para a mudança, essa é uma transformação imprescindível para o futuro da nossa economia. No entanto, mesmo estando à porta da efetivação, ainda existem muitas dúvidas que pairam sobre os reais impactos e medidas que a reforma trará.
Para transformarmos dúvidas em respostas, é importante deixar claro, antes de mais nada, que o sistema tributário atual é muito complexo e disfuncional. Isso porque ele é cumulativo em grande parte, prejudicando setores com maiores cadeias produtivas; baseado na tributação na origem, o que onera investimentos e exportações e impulsiona a chamada “guerra fiscal”; e atua com múltiplas alíquotas, o que minimiza a transparência ao consumidor e fortalece a litigiosidade. Dessa forma, a reforma tenta solucionar justamente esses três itens ao adotar a não-cumulatividade plena, tornar a tributação com foco no destino e definir três tipos de alíquotas: padrão, reduzida e zero.
O que representa a mudança dos tributos?
Para cumprir com esse objetivo, a reforma tributária no Brasil visa transformar por completo a tributação sobre o consumo no país. A ideia é que os cinco tributos existentes atualmente (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), sejam repostos por apenas dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Diante dessas mudanças, a maior transformação, pensando na população em si, passa pela adição substancial da transparência dos tributos aos consumidores. Isso porque a reforma prevê que a divisão fiscal de cada produto esteja discriminada na sua documentação. Assim, no momento em que a pessoa concluir a sua compra, terá em mãos a quantia tributária exata paga pela mercadoria.
Pensando no efeito financeiro sobre os produtos e serviços, ainda é cedo para realizar previsões muito detalhadas, porém o contexto atual já nos permite ter uma ideia de como cada setor da economia deve ser impactado a partir das mudanças. Itens de base, como os integrantes de cestas básicas e os remédios, por exemplo, devem ser os grandes beneficiados pela reforma, uma vez que a alíquota deve ser reduzida drasticamente; em alguns casos, pode até mesmo chegar a zero.
Em compensação, o setor de serviços, que engloba 70% da mão de obra nacional e é composto por uma série de atividades sensíveis à classe média brasileira – como planos de saúde, programas de streaming e aplicativos de transporte e de entrega de comidas – deve sofrer com aumentos substanciais de tributos a partir da reforma. A consequência da mudança deve ser significativa não só pela maneira como o brasileiro consome tais serviços, mas também na forma com que serão oferecidos e disponibilizados.
Origem e destino
Outra transformação significativa a partir da reforma é a transição da tributação na origem para a de destino. Isso quer dizer que o imposto atrelado a cada produto será destinado ao estado e cidade de onde o consumidor efetivou a compra, e não mais para onde o produto foi fabricado. O efeito dessa alteração será gigantesco para o Brasil, já que boa parte de sua economia era baseada a partir de uma “guerra fiscal” na qual muitos estados utilizavam-se de benefícios fiscais para a criação de cenários atrativos visando ao seu desenvolvimento econômico.
A partir da reforma, essa realidade precisará ser totalmente modificada, e as consequências disso deverão ser drásticas. Vamos pegar como exemplo a cidade de Paulínia, localizada no interior de São Paulo. Reconhecida por ser o maior polo petroquímico do país, o município prevê a redução de 90% em sua receita tributária por conta da nova norma. Caso nada seja feito para reparar essa distorção, é possível dizer que a cidade deve sumir do mapa, literalmente.
Sabendo do tamanho impacto das mudanças a longo prazo, a reforma já prevê um plano de contingência baseado num fundo de compensação. A partir do montante, que deve ser utilizado para resguardar municípios com esse perfil pelos próximos 50 anos, caberá aos líderes políticos regionais criar mecanismos e estratégias para adequar as cidades às novas diretrizes tributárias do país, o que não deve ser uma tarefa tão simples, porém estritamente necessária. Não há dúvidas que o Brasil necessita de uma reforma tributária. Até porque hoje convivemos com mecanismos que foram criados quando o país ainda detinha uma produção quase que exclusivamente agropecuária e muito menos complexa. É verdade também que essa mudança poderia ter acontecido antes, uma vez que toda a lógica tributária está sendo reestruturada com o carro em movimento – e em altíssima velocidade.
Mesmo assim, podemos afirmar que o caminho que estamos traçando, apesar de contar com alguns obstáculos perigosos, é bastante promissor. Além do que, tratando-se de transformações que têm tudo para ser benéficas, vale aquela máxima poderosa: antes tarde do que nunca.
(*) É economista e CEO da Dootax.