Luciano Camargo Neves (*)
A inflação tem assombrado os mercados financeiros, principalmente pela pouca clareza quanto à volta para os níveis estabilizados e regulares.
A probabilidade de fecharmos 2022 com IPCA acima de 10% ao ano vem ganhando relevância, ratificando as perspectivas de continuidade de aumento das taxas de juros por aqui. E na natureza dos principais causadores dessa relevante degradação da percepção de risco, a incerteza quanto ao prazo de solução não é animadora.
Falamos de uma guerra que pode se estender indefinidamente, de uma pandemia que volta a trazer danos à economia chinesa, além do recorrente risco de elevação da taxa de juros americanos. Nenhum desses fatores têm data certa para ser solucionado. A guerra, mesmo que com o desejado fim, manterá efeitos das fortes sanções, com impactos nos preços de importantes commodities.
O lockdown na China por conta da Covid impacta fortemente suas exportações, levando a preços pressionados ao redor do mundo. Nos Estados Unidos, a inflação alta, que já ultrapassa os 3% no acumulado e tem perspectivas de ultrapassar os 6% ao fim de 2022, junto com o baixo nível de desemprego e crescimento deverão manter forte pressão sobre elevação da taxa de juros.
No Brasil, apesar da inflação continuar crescente, principalmente devido ao preço de energia, petróleo e commodities, a atividade econômica vem surpreendendo. Esse fato acabou permitindo previsões mais otimistas em relação ao PIB e à geração de novos empregos, principalmente nos setores de serviço e de varejo. Desse modo, as taxas de desemprego já transitam em níveis anteriores aos da pandemia.
O mercado de renda fixa brasileiro continua forte, com muitas emissões de dívida privada já realizadas esse ano e um pipeline robusto de novas emissões, que devem ocorrer no segundo semestre. Os investidores estão buscando as boas rentabilidades que o mercado de juros está proporcionando com o aumento da Selic, hoje em 12,75% e com viés de alta na próxima reunião do Copom.
Diferentemente de outros anos de eleição, nos quais vimos empresas acessando o mercado preponderantemente no primeiro semestre, devido à incerteza do investidor quanto a definição política para tomar a decisão sobre onde alocar seu capital, o ano de 2022 parece trazer um comportamento distinto. Questões políticas parecem mitigadas pela notória independência do Banco Central, que dá sinais de que fará o que for preciso para trazer a inflação para o centro da meta.
Esse é o primeiro ano, desde 1989, que os juros estão subindo em um ano de eleição presidencial. Em abril, os fundos de investimentos aumentaram alocação em títulos de dívida corporativa em aproximadamente R$ 34 bilhões. Somente em debêntures, houve um aumento de alocação de R$ 8 bilhões (aumento acumulado de R$22 bilhões em 2022), o que reflete o bom momento do mercado de dívida. O contraponto desse movimento positivo da renda fixa está na renda variável e em multimercados, que tiveram resgates líquidos de R$38 bilhões e R$58 bilhões, respectivamente.
O cenário anterior de taxas de juros reais negativas “empurrou” investidores para renda variável, viabilizando um importante avanço de IPOs em 2020/2021, momento em que os fundos de renda fixa sofriam resgates seguidos.
A conjuntura mudou. Hoje vemos um movimento contrário com os recursos migrando de multimercados e renda variável para o mercado de renda fixa.
Há uma maior dificuldade de os IPOs voltarem no curto prazo. A saída das empresas, ao menos por enquanto, é captar a um custo maior na renda fixa. As apostas na retomada do mercado acionário ficam para 2023 em diante, principalmente em setores e companhias novas.
(*) – É economista e sócio da BeeCap (https://bee-cap.com/).