Antonio Carlos Lopes (*)
A opção por cursar Medicina nasce do desejo genuíno de cuidar das pessoas, bem como de zelar pelo bem-estar do outro.
Ao menos na maioria dos casos. Porém, esse sonho não raramente vira pesadelo, quando se vence a etapa do vestibular em diversas escolas médicas do Brasil. Lamentavelmente a má qualidade da formação predomina em nosso País sob as vistas grossas das autoridades responsáveis pelo ensino e a saúde, entre outras. Assim, vemos jovens estudantes com potencial incrível tornarem-se vítimas de um estelionato da pior espécie.
O péssimo nível de docentes, a estrutura inadequada das faculdades, a falta de hospital-escola são flagrantes. Como em medicina praticamente não há reprovação, em curto espaço de tempo colocamos na linha de frente do atendimento milhares de profissionais com formação inadequada e insuficiente. Há quem diga que as lacunas de conhecimento podem ser corrigidas durante a residência. Falácia. Guardadas as proporções, isso seria como preparar o alicerce depois da casa construída.
Devido à mercantilização da formação e ao descompromisso social de maus empresários do ensino e gestores, o Brasil já é o segundo país do mundo com maior quantidade de cursos de Medicina. Os alunos concluem a graduação despreparados, pois não se leva em conta questões de suma importância para quem lidará com vidas humanas. Alguns possuem até certo nível de escolaridade, mas não a base necessária de educação médica.
Educação médica tem como esteio a ética, a moral, a construção de valores e a cidadania. Investe na construção do conhecimento e no aprendizado à beira do leito. Médico precisa obrigatoriamente ter princípios e gostar de gente. Mas isso não é a regra hoje em dia. O Exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), já em sua 11ª edição, é uma evidência das distorções que aqui exponho.
Em 2016, houve reprovação de 48% dos participantes. Ou seja, quase metade dos recém-formados não conta com a base mínima para passar na prova, que é bem rasa, aliás. Principalmente os que saem das instituições particulares, cujo percentual de inaptos chega a 58%. Recente levantamento da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas com médicos e acadêmicos da região concluiu que 61% alegam que a faculdade não contribuiu em nada, ou de forma pífia, para atuação frente ao mercado de trabalho, em relação às operadoras de saúde.
Além disso, a mesma declaração é utilizada referente à gestão e administração do negócio (57%) e do direito médico (30%). Ou seja, o profissional sai das escolas sem capacidade de lidar com os problemas da sociedade e com a rotina do ambiente de trabalho.
Saúde é coisa séria.
Escolas médicas sem estrutura necessária para munir o especialista de conteúdo científico, humano e prático comprometem a segurança da população. Aliás, pensar somente no aspecto monetário desse processo é desconsiderar o fator humano.
É, volto a frisar, estelionato.
(*) – É presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.