Felipe Salto (*)
A economia brasileira provavelmente encerrou 2023 crescendo ao redor de 3%. A inflação, medida pela variação do IPCA, encerrou em 4,6%, beneficiada pelo desempenho do setor primário, com forte impacto deflacionário sobre itens de alimentação, a exemplo de carnes (-9,4%). No agregado, os preços médios de alimentos e bebidas subiram 1%, ante aos quase 12%, de 2022.
Mesmo o setor de serviços, mais resiliente, apresentou bom desempenho, do ponto de vista dos preços, com inflação de 6,2%, ante à subida de 7,6% em 2022. O vilão da inflação foram os grupos ligados a transportes, combustíveis, energia, passagens e congêneres. Os preços administrados subiram 9,1%, em 2023, depois de uma deflação de 3,8% em 2022.
Em 2022, no entanto, a gasolina foi domada na marra, com medidas equivocadas como a limitação das alíquotas do ICMS, que agora cobram seu preço do ponto de vista fiscal e da sustentabilidade das contas fiscais dos Estados e Municípios. Aparentemente, a manutenção da meta-Selic em níveis elevados (mesmo com o atual ciclo de redução) deve continuar a segurar a inflação de serviços.
Por outro lado, alimentos talvez não tenham o desempenho relativo extraordinário de 2023 vis-à-vis ao de 2022. Portanto, sem “inovar” na política fiscal, é bastante razoável imaginar um cenário de inflação em torno de 3,6%, em 2024, a menos de um efeito mais forte do El Niño. Isso ocorrerá em um contexto de atividade econômica crescente, acima de 2%, com uma abertura boa.
É que a demanda reagirá à queda do juro. Consumo e investimento devem subir. Sob um cenário de bons sinais do governo e políticas adequadas, a indústria poderá se beneficiar. Parte da desaceleração do setor primário deve ser compensada. É um quadro muito bom, vale dizer. A balança comercial, em 2023, com saldo de quase US$ 100 bi, na esteira do agro, poderá apresentar um ganho de qualidade, dado o que comentei nos itens anteriores ocorrer.
Mais ainda, se o governo avançar nos acordos comerciais, sob orientação mais voltada a negócios na política externa. No front externo, aliás, apesar de a inflação dos EUA ter encerrado 2023 em 3,4% (ante à estimativa de 3,3% mantida pelo mercado), as perspectivas são boas. O início de um afrouxamento dos juros, por lá, seria muito benigno para o Brasil. Os efeitos de uma redução dos juros americanos sobre o fluxo de capitais para o Brasil e, por conseguinte, sobre a taxa de câmbio, permitiriam ao Bacen seguir reduzindo a Selic (com relativa tranquilidade), tudo o mais constante.
Os riscos seguem concentrados em 2 frentes: a dos desdobramentos das duas guerras em curso (com potencial efeito sobre balanço de pagamentos, câmbio, inflação e juros); e a da política fiscal, internamente, onde o principal desafio é executar a recém-nascida regra fiscal.
E executar bem a regra fiscal significa preservar ao máximo os objetivos originalmente postos, sobretudo a meta fiscal de 2024, que está a funcionar como espécie de âncora para as medidas de ajuste e, principalmente, como anteparo ao avanço de agendas expansionistas.
(*) – É economista-chefe da Warren Investimentos.