Henrique Galvani (*)
O Brasil é uma potência mundial na produção de alimentos, mas ainda enfrenta um gargalo histórico: o acesso à capital no campo. Embora o agronegócio represente mais de 25% do PIB nacional, o crédito rural continua altamente concentrado em poucos agentes e dependente de linhas bancárias tradicionais.
Esse cenário pode estar prestes a mudar. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu a Consulta Pública nº 05/2025, que propõe modernizar a Resolução CVM nº 88/2022 — norma que regula o crowdfunding de investimento — e autorizar produtores rurais a captar recursos diretamente com investidores, por meio de plataformas reguladas. A medida tem potencial de democratizar o crédito agrícola, aproximar o mercado de capitais da economia real e reduzir a dependência histórica de bancos, criando uma porta de entrada de financiamento para o pequeno e médio produtor rural.
Atualmente, apenas pequenas empresas com faturamento anual de até R$ 40 milhões podem recorrer ao modelo de captação simplificada, conforme a Resolução CVM nº 88/22. A nova regra, se aprovada, permitiria que produtores levantassem até R$ 2,5 milhões por safra em plataformas reguladas, com total transparência e supervisão da autarquia.
Esse movimento ocorre em um momento de transformação estrutural no agro. Entre março de 2023 e março de 2025, o patrimônio líquido dos Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagro) cresceu 204%, saltando de R$ 14,7 bilhões para R$ 44,7 bilhões, enquanto os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) avançaram 42%, de R$ 110 bilhões para R$ 156 bilhões, segundo dados da CVM. O mercado financeiro já entendeu que o agro é estratégico — e agora é o momento de o produtor ocupar o mesmo espaço.
Um novo modelo de financiamento para o agro
Se implementada, a proposta da CVM representará o início de um novo ciclo de financiamento rural. O produtor passará a ser visto como uma “empresa”, capaz de acessar o mercado de capitais, emitir títulos e se comunicar com investidores de forma direta.
Isso exigirá governança, transparência e gestão profissionalizada. O produtor precisará manter a separação entre contas pessoais e empresariais, estruturar relatórios financeiros e adotar boas práticas contábeis. Mas esse processo de formalização é positivo, ajuda a construir reputação, histórico de crédito e acesso a capital em condições mais competitivas.
Outro ponto essencial é a segurança jurídica dos recebíveis rurais. CPRs, contratos de barter e fluxos futuros de produção ainda enfrentam desafios de registro e execução. Para que o modelo funcione, será preciso garantir que as plataformas, registradoras e cartórios atuem de forma integrada, oferecendo clareza e proteção tanto ao produtor quanto ao investidor.
Desafios e oportunidades
O sucesso dessa nova etapa dependerá da maturidade de todo o ecossistema. As plataformas de investimento coletivo terão papel decisivo ao aprimorar seus processos de análise de crédito, gestão de risco agrícola e due diligence, incorporando variáveis como produtividade, clima e histórico de safra.
Também será necessário investir em educação financeira e capacitação dos produtores, para que compreendam conceitos de compliance, governança e relacionamento com investidores. Mais do que captar recursos, trata-se de formar uma nova geração de empreendedores rurais, protagonistas do próprio crescimento.
O campo no centro da inovação
A proposta da CVM vem em um momento em que o agronegócio brasileiro busca se conectar a temas como inovação, sustentabilidade e transição verde. Modelos como o crowdfunding podem ser ferramentas poderosas para financiar tecnologias regenerativas, bioinsumos, agricultura sintrópica, gestão de carbono e monitoramento climático, áreas em que startups e produtores de ponta já estão atuando. O campo começa a ocupar o espaço que merece no mercado de capitais. Levar o investidor urbano para o agro é um passo decisivo para financiar a transição sustentável e fortalecer o pequeno e médio produtor.
Mais do que uma atualização regulatória, trata-se de um projeto de inclusão financeira, tecnológica e ambiental — um agro conectado ao mercado de capitais e ao futuro.
(*) Sócio-fundador e CEO da Arara Seed, primeira plataforma de equity crowdfunding voltada exclusivamente para startups do agronegócio.
