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A prática de “passar pontos” da CNH e suas consequências criminais

em Artigos
quinta-feira, 05 de março de 2020

Gabriel Huberman Tyles (*)

Como se sabe, a prática de “passar pontos” da Carteira Nacional de Habilitação decorrentes de infrações de trânsito para outrem, tornou-se, para muitos cidadãos, algo corriqueiro e habitual.

Contudo, essa conduta configura crime com todas as suas consequências. E, quais são as consequências? Ser alvo de um Inquérito Policial, tornar-se réu em uma Ação Penal e até mesmo ser condenado por um delito e ter que cumprir pena, em regime fechado, a depender da quantidade de vezes que o delito foi praticado.

Isso porque, segundo estabelece o artigo 299 do Código Penal Brasileiro, configura o crime de falsidade ideológica quando o agente “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

No que se refere a pena prevista para tal delito, o Código Penal estabelece pena que varia de um ano até cinco anos de reclusão, além de multa. Com efeito, o comportamento de “passar pontos da CNH para outrem” adequa-se, perfeitamente, ao referido artigo do Código Penal. E, tantas vezes quantas forem feitas as falsas “passagens de pontos” para outrem, serão considerados para a contagem da quantidade de crimes perpetrados.

Ou seja, se o cidadão passou dez vezes os pontos de forma “irregular”, pode-se ter dez crimes de falsidade ideológica que, como se viu, estabelece pena de um até cinco anos para cada delito cometido, cada “passagem de ponto” falseada. Assim, o proprietário do automóvel, ao indicar um condutor que não estava dirigindo o seu veículo, acaba por falsear a verdade ao DETRAN.

Ou seja, insere declaração falsa para alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, isto é, livrar-se de pontuação que poderia fazer a sua licença de dirigir ser suspensa. Neste ponto, é importante mencionar que, tecnicamente, por mais que este “outrem” aceite receber os “pontos”, o mero fato de falsear a verdade, ainda que com aceitação da outra parte, para se livrar dos pontos na CNH, configura o delito de falsidade ideológica (artigo 299, do Código Penal).

Não importa, pois, para a nossa legislação criminal, o consentimento daquele que foi indicado como condutor e recebeu os pontos em sua CNH. Aliás, o sujeito que recebeu os pontos da CNH e concordou com isso, também poderá responder pelo delito de “falsidade ideológica” nos moldes do artigo 29, do Código Penal, pois, é certo, de acordo com a nossa legislação penal, quem, de qualquer modo concorre para a prática do crime, responde pelo crime na medida de sua culpabilidade.

É bem verdade que, normalmente, as vítimas são pessoas que sequer sabiam que estavam sendo indicadas como “condutor” e só acabam percebendo a “fraude”, quando tentam renovar a CNH e não conseguem pois, evidentemente, estão suspensos por terem ultrapassado o limite de pontos. Contudo, há, também, casos em que pessoas “compram” e outras “vendem” os pontos. É dizer, o agente que não pode mais receber pontos em sua CNH acaba transmitindo os seus pontos para outrem, mediante um preço ajustado com o sujeito que aceitou receber os tais pontos.

Mesmo nestes casos e, por mais que não haja qualquer contraprestação pecuniária, o crime de falsidade ideológica está consumado, pois, evidentemente, a falsidade foi inserida em documento público para que o cidadão pudesse se ver livre dos pontos da CNH. Enfim, seja lá quantas infrações de trânsito o cidadão tenha cometido, o ideal é cumprir a suspensão administrativa e não “passar os pontos” pois, tal conduta tem o condão de criar um enorme problema criminal.

Recomenda-se, pois, apesar da prática corriqueira de “passar pontos”, ainda que com o consentimento da outra parte, a imediata extinção deste hábito, evidentemente, previsto como crime pela nossa legislação criminal.

(*) Mestre e especialista em Direito Processual Penal pela PUC-SP. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é professor universitário e advogado criminalista, sócio do escritório de advocacia Euro Filho & Tyles Advogados Associados.