Rui Calaresi (*)
A crise atual com a Coréia do Norte revela que os desdobramentos da geopolítica dos EUA durante a Guerra Fria ainda ressoam nas relações de poder do mundo contemporâneo.
A invasão da Baia dos Porcos em Cuba por rebeldes cubanos anticastristas (1961), uma ação militar financiada e projetada pelos EUA e fracassada em sua tentativa de derrubar o regime que se instalou após a Revolução Cubana (1959), se insere no contexto da Guerra Fria, período em que aos EUA, mais fortes geopoliticamente, buscavam ampliar a sua influência global diante de outra superpotência, mais fraca, a URSS, que não possuía uma estratégia de dominação global e se defendia da iniciativa estadunidense.
Neste contexto, o episódio acima se assemelha ao conflito na península coreana, que após o fim da Segunda Guerra Mundial e a expulsão dos japoneses, foi dividida no paralelo 38° em duas partes: o norte sob influência soviética e o sul estadunidense. Neste limiar da segunda década do século XXI, mesmo com o fim da Guerra Fria há mais de 25 anos, o nacionalismo e isolacionismo trumpiano reacende as tensões, ao ameaçar a Coréia do Norte e paralisar a aproximação com o regime cubano realizada por Barak Obama.
As tensões entre os dois lados e a fronteira extremamente militarizada está na origem da Guerra da Coréia (1950-53) e da intervenção das tropas dos EUA. Esta guerra, limitada pelo poder de destruição global das duas potências, resulta em um armistício e com a instalação de armas nucleares na Coréia do Sul pelos EUA e a consequente ascensão de um regime com base na ideologia do Juche patrocinada por Kim Il Sung, (avô de Kim Jong Un) cujos pilares são a independência política e a autossuficiência nos campos da economia e da defesa, e que segue em vigor como a essência do “socialismo” norte-coreano.
A tentativa de derrubada do regime liderado por Fidel Castro em Cuba em 1961, financiada pelos EUA, teve como resposta a aproximação cubana com o regime soviético, com posterior permissão para instalação de mísseis em território cubano apontados para os EUA em 1963 e a consequente “Crise dos Mísseis”, em que durante 13 dias soviéticos e estadunidenses elevaram os discursos ameaçadores de uma possível guerra nuclear, como temos vivenciado ultimamente.
A política de aproximação promovida por Obama e Raul Castro, iniciada em 2015, se esboçou nos anos 1990 numa aproximação entre as duas Coreias e um possível desarmamento da Coréia do Norte. Em 1994, durante a administração de Bill Clinton, foi firmado um acordo para congelar a produção norte-coreana de plutônio por oito anos; em 2000, outro foi negociado visando a compra pelos Estados Unidos de todos os mísseis de médio e longo alcance da Coreia do Norte; e ainda outro foi assinado estipulando que nenhum dos dois países sustentaria “intenções hostis” em relação ao outro.
Mas na sequência do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, a administração de George W. Bush passou a ignorar os acordos firmados e incluiu a Coreia do Norte no assim chamado “eixo do mal”. Além dela, Bush apontou o Iran e o Iraque em seu discurso sobre o State of the Union de janeiro de 2002 como países buscando construir armas nucleares e pediu o apoio da população norte-americana no enfrentamento com esses países no âmbito de sua “guerra ao terror”. Pyongyang não possuiria atualmente armas nucleares caso os acordos patrocinados por Clinton houvessem sido cumpridos pelos Estados Unidos.
O império não descansa. Passados mais de sessenta anos da Guerra da Coréia, cinquenta anos da Invasão da Baia dos Porcos e da Crise dos Mísseis em Cuba, vinte e cinco do fim da Guerra Fria, a política trumpiana reacende as tensões de uma possível guerra nuclear. Para Marx: “A história se repete uma primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
Haverá história após a tragédia, para se repetir uma segunda vez?
(*) – É professor de Geografia do Cursinho da Poli.