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A insustentável ignorância política

em Artigos
quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Reinaldo Dias

Muito se tem falado nos últimos tempos sobre a crise e chega-se a um consenso que ela é principalmente política. O que significa?

Temos que começar buscando entender a que nos referimos quando falamos sobre política. A palavra está diretamente relacionada a poder, que é a capacidade que tem um indivíduo ou organização de influenciar outros, trata-se de modo geral da disputa de quem deterá mais ou menos poder. Toda relação social está permeada por relações de poder, ou seja, a política faz parte de nossa vida cotidiana. A política profissional, dos políticos como se diz, é uma das manifestações da prática política.

Ora, quando o governo afirma que é uma tentativa de golpe, ou virada do jogo, tentarem tirar os atuais governantes de seus cargos está procurando afastar as pessoas de fazer política. Pois é disso que se trata. O poder político emana do povo e em seu nome será exercido é a frase que está na Constituição Federal de nosso país. Então, as regras existem para que o poder seja exercido de acordo com o desejo da maioria. O impeachment é regulamentado, faz parte do jogo político legal. Se é conveniente ou não é outra história, e para decidir isso, nada melhor do que fazer política.

A Constituição define as regras do jogo. A sua obediência é uma característica fundamental da democracia. Tentar escamotear a disputa política, não a enfrentar e ameaçar aqueles que querem fazer política, participar enfim, é tentar golpear a democracia.

Toda população brasileira deve se engajar claramente no atual debate, pois o que está em jogo é o seu futuro e das futuras gerações. Deve-se buscar entender quem realmente detém o poder. Quem ganha com a manutenção de juros abusivos, de impostos cada vez mais elevados penalizando os que trabalham, com a deterioração da saúde e da educação e a manutenção da corrupção. Se ausentar da discussão política é contribuir para que as coisas permaneçam como estão. Afinal, manter o povo avesso à política é o que aqueles que detêm o poder desejam.

O poeta Alemão Bertold Brecht dedicou-se no poema “O analfabeto político” a destacar a importância da política na vida do indivíduo. Assim afirmou que “o pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas”. E assim continuam seus versos e no final afirma que é da ignorância política que surge o político vigarista malandro e corrupto.

As instituições governamentais em nosso país que foram construídas à sombra do patrimonialismo e de privilégios estão em fase de transição, mas ainda restam nichos de uma prática política institucional danosa aos cofres públicos e contrária aos interesses do bem comum. No discurso de muitos políticos nota-se maior preocupação com a preservação futura de seus cargos, como ganhar as próximas eleições, do que fazer algo que beneficie a ampla maioria.

A insensibilidade em relação às mazelas da população chega quase ao escárnio. Não veem as filas nos hospitais, as mortes por balas perdidas, a fome e o desespero de famílias que não tem onde morar, e das mudanças climáticas que afetam, periodicamente, grandes parcelas da população com tragédias que só são amenizadas pela solidariedade de seus iguais.

A política institucionalizada, profissional, está cheia de vícios que devem ser modificados radicalmente. Aproximar representantes de representados durante todo o mandato e abrir a possibilidade de destituí-los ao não honrarem os compromissos assumidos quando de sua eleição, são mudanças possíveis. Só que para mudar é necessário fazer política. Onde? No escritório, na escola, na fábrica, na loja, nos locais públicos, no intervalo para o cafezinho, onde quer que haja mais de uma pessoa.

Pois a política realiza sonhos, e os sonhos somente se tornam realidade quando se sonha junto.

(*) – É professor da Universidade Mackenzie Campinas, mestre em Ciência Política, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e especialista em Ciências Ambientais.