Antonio Carlos Lopes (*)
O Brasil talvez viva hoje um dos momentos mais delicados de sua história. Escândalos de corrupção atingem todos os partidos, colocando instituições seculares à beira do descrédito.
Os desvios envolvem políticos de todas as cores e instâncias das mais variadas. Difícil salvar desse lodaçal um ministério, uma secretaria, um governo, seja de onde for. Claro que os reflexos se dão em todos os campos. Na Saúde, por exemplo, o rombo deixado pela malversação dos recursos públicos foi de R$ 20 bilhões em 2016.
Dinheiro que deveria ser usado para construção de hospitais, compra de equipamentos, contratação de médicos e outros profissionais vazou para os bolsos de quadrilhas infiltradas na máquina do estado. Assim, a situação do Sistema Único de Saúde (SUS), já extremamente preocupante em virtude do subfinanciamento fica cada vez mais caótica.
A agravante é que o Governo aprovou uma Lei que congela por 20 anos os parcos investimentos no setor, o que sinaliza tempos de provação para os pacientes, em especial para os mais vulneráveis social e economicamente.
As boas cabeças do País e os chamados homens de boa vontade têm de se unir rapidamente para evitar um mal ainda maior. Atualmente, a saúde virou mero negócio, em vez de focar no bem estar do cidadão. É explorada por muitos maus gestores e maus empresários, que, se ainda não são regra, faz anos deixaram de ser exceção.
Isso fica evidente quando falamos de formação médica. Faculdades são abertas sem hospital-escola, sem professores qualificados, sem preceptoria e com grade curricular contestável todos os dias. Assim, todos os anos, são ejetados para a linha de frente de atendimento profissionais de formação insuficiente e que representam risco à saúde dos pacientes. No mais recente Exame Cremesp com formandos de medicina, realizado ao término de 2016, quase a metade dos participantes da avaliação não atingiu a nota mínima para aprovação.
É calamidade mesmo! Cerca de metade dos médicos que acabou de entrar no mercado de trabalho não está apta a exercer a medicina. Muitos dos recém-formados desconhecem o diagnóstico ou tratamento adequado de casos básicos e problemas de saúde frequentes, como tratamento inicial do infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial; crise de asma do adulto e criança; atendimento inicial de vítima de acidente automobilístico; diagnóstico de hipertireoidismo, conduta na cetoacidose diabética e na identificação de quadro de doenças mentais (esquizofrenia, distúrbio bipolar) etc.
Reverter esse quadro e escapar de um xeque-mate passa necessariamente pela revisão da forma de fazer política no Brasil, de gerir a coisa pública e também pela revisão do modelo de saúde aqui implantado. Não é mais possível continuarmos na idade da treva, propondo políticas ao SUS e a área suplementar com base na doença. Precisamos que a atenção tenha como prioridade a prevenção e a promoção em saúde.
Humanizando a medicina, passando a enxergar o paciente como gente não como um número de quarto ou uma carteira de plano de saúde estaremos também formando o alicerce de futuras gerações saudáveis. Com essa ênfase, pouco a pouco, pacientes deixarão de se submeter a procedimentos ou exames de alto custo e mais complexos.
Será uma economia que se reverterá para outras necessidades em saúde. O cidadão se manterá saudável, pois terá a possibilidade de uma doença diagnosticada antes e uma intervenção competente para evitá-la. Esse processo é de uma riqueza incrível para um sistema de saúde.
Então, está mais do que na hora de abrirmos os olhos e passar a investir na qualidade de vida e no bem estar.
(*) – É presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e professor afiliado do Hospital Militar de Área de São Paulo.