Na festa da Rádio Nacional preocupação e saudades
Em 25 de setembro se comemora o Dia do Rádio e neste ano a festa foimais animada pelo fato da Rádio Nacional do Rio de Janeiro ter completado 80 anos com um show aberto ao públicona região portuáriado Rio, com a presença de artistas da velha guarda e do grupo musical Época de Ouro
Emoção não faltou e no final todos defenderam a permanência da emissora em sua sede original – Edifício A Noite, na Praça Mauá – onde a emissora iniciou suas transmissões em 1936.O prédio que já foi sede de um jornal está precisando de uma boa reforma, mas no 21° andar onde está a rádio, tudo foi recuperado em 2004 pelo governo federal que é o dono do imóvel e pensa agora em vendê-lo.
Naqueles corredores, estúdios e auditório, passaram os maiores artistas, cantores e cantoras do rádio brasileiro em um tempo onde não havia surgido a televisão e o país era ligado de ponta a ponta pelas ondas radiofônicas da Nacional. O governo federal bancou a recuperação do auditório e dos estúdios daquele prédio, ao custo de R$ 1,7 milhão, mas a ideia é transformar o restante do arranha-céu em hotel ou prédio de apartamentos. Se não houver um acordo, a emissora pode mudar de endereçodefinitivamente.
A Rádio Nacional ainda é, neste início de século XXI, uma emissora com potência para ser ouvida em todo o território nacional e no exterior, especialmente depois do pôr do sol. A frequência continua a mesma dos velhos tempos: AM – 1130 kHz, a faixa preferida de um público que ainda gosta de ouvir música popular brasileira de qualidade. Por isso, a programação atual traz canções de antigos sambistas passando por vozes que vão de Orlando Silva a Caetano Veloso e apresentadores bem informados que utilizam uma linguagem dinâmica e interativa para atrair também ouvintes mais jovens, interessados na história da música eos chamam para participar da programação via internet e pelas redes sociais.
Buscando saber mais sobre essa emissora fundada em 1936 como um empreendimento privado e quatro anos depois adquirida pelo governo do então presidente Getúlio Vargas, fomos entrevistar o jornalista e pesquisador radiofônico Reynaldo Tavares, que trabalhou nesta emissora campeã de audiência em todo o país por mais de 20 anos. Reynaldo ressalta que ainda hoje a influência da Nacional é grande não só no gosto musical de muitos brasileiros, mas também na paixão esportiva. “Nos estados do Nordeste ainda há mais torcedores de clubes do Rio de Janeiro do que dos times locais devido às transmissões esportivas da Rádio Nacional no passado”. Ele também ressalta: “Falar desta emissora é se referir à síntese do que foi a fase do ouro do Rádio no Brasil”.
O pesquisador explica que cada programa contava com apresentadores, artistas e cantores exclusivos, mas é claro que a voz de cada um deles despertava fascínio aos ouvintes que passavam a imaginar como seria o rosto da pessoa que cantava ou falava tão bem. Este sentimento lúdico e apaixonante, que só o Rádio consegue despertar, fazia lotar diariamente o auditório da emissora e devido ao interesse do público eram promovidos vários concursos entre os artistas, dentre os quais o da escolha da Rainha do Rádio que levou ao trono pelo voto direto, em 1949, a cantora Marlene, uma paulistana da Bela Vista criada dentro dos rigores de um colégio interno e que abandonou tudo em nome da música. A conquista deu a ela também o primeiro fã-clube de uma artista nahistória do Brasil, mas a premiação criada pela Rádio Nacional surgiu antes de Marlene chegar ao estrelato.
Em 1937, mesmo ano da implantação do “Estado Novo” por Getúlio Vargas, houve a escolha da primeira rainha que foi Linda Batista, só que não houve eleição. “O nome dela surgiu de um consenso entre os artistas”, explica Reynaldo Tavares, que depois de passar pelos microfones da Nacional, tornou-se professor universitário e autor de um best-seller para estudiosos da área, o livro‘Histórias que o Rádio não Contou’ – (Paulus Editora/2014). “Foi também o mandato mais longo entre as rainhas, talvez por não haver ainda grandes noções de publicidade e marketing para tornar o concurso mais atraente”, avalia o especialista. Ele ressalta que somente 11 anos depois, a irmã de Linda Batista, a também cantora
Dircinha Batista, seria escolhida para o trono. Seu mandato duraria apenas um ano, pois em 1949, com a eleição de Marlene, surgiria a grande polêmica envolvendo Emilinha Borba que fez das duas eternas rivais. A paulistana Marlene levou para o Rio de Janeiro, o patrocínio da Companhia Antárctica Paulista que estava lançando o Guaraná Caçula. “Com dinheiro do patrocinador, o empresário de Marlene comprou em todas as bancas de jornais do Rio, as publicações da ‘Revista do Rádio’que promovia o concurso e mandou preencher os cupons com o nome dela”, diz Reynaldo Tavares acrescentando: “Irritada com a atitude da concorrente, Emilinha Borba, mesmo com chances de vencer porque uma nova edição da revista havia sido publicada, retirou-se da competição”.
É importante ressaltar que tanto Marlene quanto Emilinha eram excelentes cantoras e as duas muito queridas pelos ouvintes. Naquele concurso, entretanto, Marlene foi eleita com 529.982 votos, dando início a uma guerra entre as duas que passaram a se insultar abertamente buscando títulos e homenagens sempre no intuito de uma superar a outra. “Por exemplo, certa vez Emilinha obteve o título de A Favorita daMarinha e Marlene não deixou por menos tornando-se A Favoritada Aeronáutica”, relata Reynaldo, realçando quena data da coroação o clima ficou pesado no Rio de Janeiro. “É que a cidade amanheceu forrada de cartazes onde Marlene aparecia em uma foto tomando Guaraná e os admiradores de Emilinha ficaram doidos, achando que se tratava de uma provocação”. Os anos foram passando, Dalva de Oliveira elegeu-se rainha e Emilinha Borba chegaria ao título também, em 1953, mas discussões entre ela e Marlene continuaram por longo tempo até que um dia, em um programa de televisão na década de 1990, as duas assumiram terem feito as pazes, mas que, por causa dos fãs, ainda se insultavam publicamente.
Se fosse feito um ranking entre todas as rainhas do rádio, nem Marlene e nem Emilinha seriam as vencedoras. A mais votada entre todas as eleitas foi Ângela Maria, em 1954, obtendo mais de um milhão de votos. Tentou-se ainda a realização de um concurso para a escolha do “Rei do Rádio”, só que não houve o mesmo interesse, talvez até por força da concorrência já exercida pela televisão e o vencedor, Francisco Carlos, cantor apelidado em 1958 de “El Broto” por suas fãs, acabou não obtendo a mesma fama das cantoras. Em São Paulo o concurso Rainha do Rádio aconteceu uma única vez, promovido pela Rádio Record, em 1953, e a vencedora foi Isaura Garcia.
Licitação
Após o pedido dos artistas pela permanência da Rádio Nacional na sede do edifício A Noite, a Secretaria do Patrimônio da União –SPU, confirmou em nota que juntamente com o Ministério do Planejamento e os coproprietários do prédio, está sendo feita a formatação de uma licitação para venda do prédio. Os atuais coproprietários são a União, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI e a Empresa Brasil de Comunicação – EBC, estatal à qual pertence a Rádio Nacional. “O processo licitatório, previsto para ser lançado em novembro de 2016, será público e aberto a qualquer interessado”. De acordo com o secretário do Patrimônio da União, Guilherme Estrada Rodrigues, todos aspectos tombados dentro do edifício A Noite, como o auditório e estúdios da emissora, devem serpreservados podendo haver negociação para a permanência da emissora no prédio, junto aos novos proprietários que ficarão com 83% do domínio útil do imóvel. Os que defendem a permanência da Nacional, pelo menos no 21º andar, sugeremque os novos proprietários transformem parte do prédio em um centro cultural integrado ao entorno da Praça Mauá, para a realização shows musicais populares. Se a proposta se concretizar o Rio de Janeiro ganhará mais um espaço dedicado ao povo e aos artistas podendo tudo ser transmitido pelas ondas do Rádio.
CONCURSO RAINHA DO RÁDIO AO LONGO DA HISTÓRIA
VENCEDORAS PELA RÁDIO NACIONAL – RJ:
1937 – LINDA BAPTISTA*
1948 – DIRCINHA BAPTISTA**
1949 – MARLENE – 529.982 VOTOS
1951 – DALVA DE OLIVEIRA – 311.107 VOTOS
1952 – MARY GONÇALVES – 744.826 VOTOS
1953 – EMILINHA BORBA – 691.515 VOTOS
1954 – ÂNGELA MARIA -1.464.996 VOTOS
1955 – VERA LÚCIA- 565.636 VOTOS
1956 – DORIS MONTEIRO- 875.605 VOTOS
1958 – JULIE JOY- 350.421***
(*, **) – Não houve eleição para a escolha das duas primeiras rainhas do rádio
(***) – Eleita ao lado de Francisco Carlos
(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).