Contextualizar
Quando se pretende efetuar a importação de uma lei, comparando o Direito de um país, para que essa lei possa ser aplicada em outro, temos requisitos a serem tomados.
Não dá para, simplesmente, traduzir essa lei e ela está pronta no ordenamento jurídico. A isso se dá o nome de Direito Comparado, que é muito mais do que ler e saber como as leis de um país são aplicadas. Ser um comparatista – aquele que estuda essa modalidade dentro dos seis Sistemas de Direito – exige mais do que ficar lendo os códigos e jurisprudências de outros países.
Ao escrever na semana passada essa coluna sugeri que poderíamos trazer leis da Dinamarca, uma visão micro analítica, para continuar combatendo a corrupção e evitássemos outros problemas em algumas áreas da administração publica. Quando se pretende isso, entre outras ações, se quer trazer a idéia de como conseguiram resolver um problema. Não é copiar e colar a lei, como alguns estudantes preguiçosos executam com seus trabalhos escolares. Elaborar leis exige cuidados na sua criação, redação, e avaliar suas relações.
Afinal, sabemos que Códigos são sempre inspirados em trabalhos de outros juristas. Por exemplo, nosso Código Civil de 1916, que ficou em vigor até 2003, conhecido como o Código de Beviláqua, por ter sido escrito pelo jurista Clóvis Beviláqua, é uma obra de seu tempo. Foi escrita e concluída em 1889 e aprovada em 1912 pelo Senado Federal. Ele era professor de direito internacional, sendo com Tobias Barreto, um dos baluartes da Escola de Recife.
O Brasil daquela época tinha população essencialmente agrícola, de menos de dez milhões de pessoas, com um milhão e meio de escravos, um milhão de índios e cinco milhões de agregados em fazendas e engenhos e, aproximadamente quatrocentas mil pessoas pertenciam às famílias de proprietários de escravos, os fazendeiros, os senhores de engenho. A população em geral, feita pequena exceção desses fazendeiros, negociantes e herdeiros de capitalistas era uma maioria pobre.
Aquele Código tinha a cara daquela realidade, teve influência da legislação francesa, do Código Napoleônico, o Código Civil francês de 1804, de grande cosmopolitismo e que atendia às classes dominantes. Afinal, como dizem os juristas “um fenômeno jurídico não pode ser dissociado de seu tempo e circunstâncias”. É isso se ainda se entende. Pegar uma lei pode ser um bom exemplo para uns e que pode não servir para outros.
Há um caso que li esses dias, que no ano de 1989, as leis trabalhistas da Espanha foram copiadas para a Argentina. Elas já não se mostravam como bem aceitas naquele país, mas mesmo assim foram trazidas. Resultado: ficaram conhecidas como “leis do lixo”.
E, como o Direito é uma ciência inacabada, precisamos estar em processo de aperfeiçoamento, no caso de leis que podemos copiar, usando o Direto Comparado, que se trata de uma técnica de analise, deve-se conhecer aspectos da contextualização, conformação, comportamentos e relações sociais daquele país que queremos nos inspirar. Mais ainda buscar as semelhanças dentro das idiossincrasias.
Ou seja, dá para se inspirar nas leis dinamarquesas.
(*) – Escritor, Mestre em Direitos Humanos e Doutorando em Direito e Ciências Sociais. Site: (www.marioenzio.com.br).