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A galinha dos ovos de ouro

em Artigos
segunda-feira, 03 de agosto de 2015

João Guilherme Sabino Ometto (*)

Confiança do Agronegócio tem pior nível no primeiro trimestre, exigindo políticas públicas estruturantes.

Com uma safra de grãos recorde, pela primeira vez acima de 200 milhões de toneladas, exportações ainda elevadas, o dólar valorizado, compensando em parte a queda dos preços internacionais, além do PIB do setor agropecuário, que apresentou crescimento de 4,7% no primeiro trimestre de 2015, contra um desempenho negativo da economia em geral, o agronegócio continua sendo o grande ponto de resistência da combalida economia brasileira. Assim, é importante que as políticas públicas relativas ao setor, como a oferta e as condições do crédito, contribuam para que ele vença os desafios que tem pela frente, num cenário preocupante sob a ótica estrutural.

São vários os sinais que apontam para um período mais crítico do ciclo de alta dos preços internacionais das commodities agrícolas, iniciado em 2007. Essa inflexão das cotações em níveis mais baixos não aconteceu em anos anteriores, pois, além da demanda aquecida, ocorreram importantes restrições de oferta, como a forte quebra da safra de milho nos Estados Unidos em 2012/13, de mais de 40 milhões de toneladas.

No entanto, com uma safra global mais robusta em 2014/15 e expectativas positivas à frente, amparadas pelo bom andamento do plantio norte-americano de milho e da previsão otimista para a segunda safra no Brasil o reflexo no mercado é inevitável. Embora o dólar mais forte tenha atenuado em parte o impacto da situação, em especial no início deste ano, as dúvidas para o próximo ciclo são muito grandes.

Uma dessas incertezas diz respeito às relações de troca, ou seja, quanto do produto, seja a soja ou milho, precisará ser vendido para comprar fertilizantes, defensivos e outros itens. Isso porque o dólar influencia ambos os preços. As últimas informações disponíveis sobre importações de insumos agropecuários mostram que elas devem girar atualmente em torno dos U$S 25 bilhões por ano. O ambiente de dúvidas tem levado os produtores a colocarem os pés no freio. Um bom exemplo deste cenário foi a “Agrishow”, que apresentou uma queda de cerca de 30% no volume de negócios, algo inédito em uma das feiras mais importantes do setor de máquinas e equipamentos agrícolas do Brasil, que vinha registrando crescimento ano a ano.

Tal incerteza é traduzida e reforçada pelo Índice de Confiança do Agronegócio, elaborado pela FIESP e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Com queda de oito pontos na sondagem do primeiro trimestre de 2015, a pesquisa registra o pior nível da série, iniciada em 2013. Verificou-se postura de cautela, com a postergação da aquisição e consequente queda nas vendas dos insumos no primeiro trimestre. Isso parece reverter a tendência observada desde 2008, de antecipação das compras.

Também contribuiu para o ceticismo, a dificuldade de acesso ao crédito pré-custeio e a indefinição/paralisação do Programa de Sustentação do Investimento (PSI-BNDES) em janeiro e fevereiro, que levou a quedas preocupantes nas vendas de máquinas e implementos, que chegaram a 42% no caso das colhedeiras, de acordo com os últimos números da Anfavea. Nem mesmo o produtor pecuário, que se mantinha em um patamar mais elevado de confiança, escapou desse clima, já que a reposição do bezerro, cada vez mais cara, vem comprometendo o efeito dos bons preços da arroba do boi gordo.

Algumas revelações são importantes em todo esse contexto, mas destaco dois pontos: o crédito e a economia brasileira. O primeiro tem sido o motor do agronegócio na última década. Ano a ano, observa-se uma elevação dos montantes de financiamento do Plano Agrícola e Pecuário (PAP), taxas de juros competitivas e a diversificação das linhas. Como já demonstraram estudos da OCDE, trata-se de política, no caso do Brasil, que não distorce os mercados, ao contrário de outros relevantes produtores mundiais.

Nesse sentido, o crescimento do volume total de crédito anunciado pelo Governo Federal, de 20% em relação ao ano passado é sem dúvida uma boa notícia, ainda mais em época de restrição orçamentária. Por outro lado, vale observar que a elevação deu-se fundamentalmente a partir de taxas de juros livres, o que encarecerá o crédito. Já em relação aos juros controlados, que seguem competitivos frente a uma Selic que pode chegar aos 14% este ano, resta saber como será o comportamento dos agentes financeiros: esse recurso de fato chegará às mãos do produtor? Ficam algumas incertezas, especialmente para o segundo semestre.

No tocante à economia, é fundamental mencionar que, a despeito do forte desempenho exportador do nosso agronegócio e da influência dos mercados internacionais na formação dos preços de uma série de produtos, o setor não está alheio à crise. O motivo é simples, uma vez que o mercado doméstico é o grande vetor de crescimento para uma fatia importante das commodities produzidas no Brasil, com grande destaque para as proteínas animais.

O ano está repleto de dúvidas. São muitas as variáveis incontroláveis. Um novo problema climático, por exemplo, pode modificar o cenário. É aí que a capacidade de planejamento e organização, em especial do Governo Federal, precisa vir à tona com toda a força. São necessárias políticas públicas estruturantes, já muito conhecidas, direcionadas ao agronegócio, cuja resiliência vem sendo um porto seguro para o Brasil. Precisamos manter vivo, forte e produtivo o setor que tem sido nossa galinha dos ovos de ouro!

(*) – Engenheiro (EESC/USP), é vice-presidente do Conselho de Administração do Grupo São Martinho, vice-presidente da FIESP e coordenador do Comitê de Mudança do Clima da entidade.