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A indústria química brasileira e os ventos da economia global

em Economia
quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Milton Rego (*)

Ao chegarmos no fim do ano, a imprensa e demais setores produtivos começam a avaliar expectativas para 2025. Quando pensamos na indústria química, mais especificamente, na indústria de cloro-álcalis, quais são as previsões para o próximo ano?

Tentando elaborar uma resposta, diante de tantas incertezas, lembrei de Zygmunt Bauman, um sociólogo e filósofo polonês, autor de livros que se tornaram sucesso no mundo inteiro, como Amor Líquido e Modernidade Líquida. Nessas obras, ele se utiliza da metáfora da liquidez dos tempos atuais, que são fragmentados e incertos, em oposição ao passado, quando as estruturas e relações eram mais estáveis e previsíveis.

Essa é a situação da indústria química brasileira – cada vez mais “líquida”.
Fazer previsões está cada vez mais arriscado. Quando o assunto é a indústria de cloro-álcalis – que produz matérias-primas para diversos outros segmentos da indústria como extração de petróleo, papel e celulose, medicamentos, produtos de saúde, indústria alimentícia, indústria agrícola e outras – alguns fatores são essenciais para elaborarmos um cenário para 2025.

O primeiro deles, naturalmente, é o PIB. O nosso segmento tem elasticidade superior a 1. Significa que ele é impactado mais do que proporcionalmente ao crescimento da economia, notadamente ao desempenho da construção civil. Se o Brasil cresce, a demanda de produtos clorados e de soda cáustica cresce junto.

O segundo fator são investimentos em água e saneamento. Os produtos clorados são primordiais não só para o tratamento da água e esgoto, mas também para as tubulações de PVC. Mas a questão preocupante é a seguinte: a indústria química é composta por longas cadeias.

São empresas que fornecem matérias-primas para outras companhias, que fornecem produtos para outras mais e assim sucessivamente, até chegar nos produtos finais de setores como agropecuária, medicamentos, tintas, saneantes, espumas e revestimentos, além de uma miríade de substâncias que contribuem com a produção de papel, alumínio, combustíveis, tecidos, entre outros.

Em paralelo, quando olhamos a indústria química brasileira, vemos uma situação muito desafiadora, a começar pelos impactos da trágica situação no Oriente Médio que continuam escalando e trazendo sempre mais incertezas sobre os preços do petróleo que – que durante a elaboração deste artigo subiu 15% em duas semanas. Isso não seria um fator tão agravante se os preços das matérias-primas da indústria petroquímica no Brasil (nafta e gás) não fossem indexados ao preço internacional do petróleo.

No entanto, o aumento de preços do mercado internacional irá refletir num aumento da diferença dos custos nacionais em relação aos nossos principais competidores, entre eles USA e China, cujas matérias primas têm uma lógica de preços diferente, baseada no custo do shale gas e do gás russo, que aumenta a sua competitividade e, com isso, a participação no nosso mercado doméstico.

As incertezas não param por aqui. Junto com a matéria-prima, a energia não dá sinais de bonança para o futuro. Além das mudanças climáticas, que reduzem a nossa capacidade de planejamento, o preço da energia não dá sinais de melhora, turbinado pela confusa estrutura regulatória brasileira, cheia de penduricalhos na conta de luz.

Esses dois temas – gás e energia – são fundamentais para diminuir a incerteza da nossa indústria. Sem gás e energia com disponibilidade e preços competitivos, nunca poderemos garantir que a indústria química tenha um futuro sustentável. Isso significa que temos de ter uma política industrial que contemple esses dois temas.

Nesses dias, observamos o lançamento do Programa Combustível do Futuro, que prevê que o Brasil evite a emissão de 705 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) até 2037.

Porém, é preciso aprofundar a matéria e garantir que esse futuro também chegue para a indústria química; é preciso de uma articulação entre os setores públicos e privados para que a nossa indústria também possa se utilizar das vantagens que o Brasil dispõe em um mundo que, cada vez mais, procura alternativas verdes.

Apenas assim poderemos sair da “liquidez” na qual estamos mergulhados.

(*) – Engenheiro mecânico, economista e especialista em gestão, é Presidente-Executivo da Abiclor e da Clorosur (https://www.linkedin.com/in/milton-rego-8b78a015/).