Presidente na UTI

em Heródoto Barbeiro
quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Heródoto Barbeiro (*)

Uma confusão de jornalistas na porta do hospital. Cada pessoa que entra ou sai vestida de branco é assediada pela imprensa. Pode ser um médico que tenha informações privilegiadas sobre o estado de saúde do presidente da República.

Ele foi transferido do hospital de Brasília para o hospital de São Paulo. Os repórteres buscam informações de bastidores, sobem e descem escadas e entrevistam quem encontram no caminho. Nenhum veículo de comunicação se dá por satisfeito com as entrevistas coletivas capitaneadas pelo médico responsável pela saúde do chefe do Executivo brasileiro.

As perguntas nem sempre são compreensíveis ao grande público, mas em uma hora tão grave como essa o que importa é marcar presença. Ninguém quer levar uma bola nas costas, ou tomar um furo de notícia, por isso ninguém arreda pé. Não adianta dizer que o presidente está na UTI se recuperando, e que não há notícias novas.

Então resume o que já foi dito, berra o chefe de redação para o repórter extenuado e já sem nenhuma nova história para contar ao vivo e em cores. O vice-presidente está atento. A Constituição do Brasil é clara e diz que no impedimento do titular da presidência assume o vice. Não é a primeira nem a última vez que isso acontece na República. Contudo, os partidos apresentam narrativas diferentes que esperam convencer o público.

Os que apóiam o governo dizem que o estado de saúde dele é bom, está se recuperando, acompanha os atos do governo e em breve estará de volta no seu gabinete, no Palácio do Planalto, despachando normalmente. Já outras agremiações não são otimistas. Acercam-se do vice e já apresentam nomes para ocupar ministérios e presidências das estatais.
A população não sabe em quem acreditar. A rua na frente do hospital chega a ser fechada tal a quantidade de curiosos e populares com os mais diversos propósitos. Não faltam flores, imagens de santos, rezas e outras manifestações de carinho e solidariedade com o líder político. É verdade que ele é idoso, tem mais de 75 anos, mas sempre foi tido como saudável.

Só familiares do presidente são admitidos no hospital. Sua esposa procura manter os políticos e curiosos à distância e não dá entrevistas, apesar da insistência dos repórteres. Chega-se a pensar que o fato de o presidente ter ficado doente na véspera de sua posse no Executivo era um golpe de Estado.

O mineiro Tancredo Neves, eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral, mostra sinais de cansaço, viaja com dificuldades, mas se recusa a ir a um hospital para fazer exames de saúde mais apurados. Todos se surpreenderam com a notícia de que ele foi internado às pressas do Hospital de Base de Brasília e passado por cirurgia.

Tancredo não consegue se isolar dos políticos e alguns chegam mesmo a estar na sala de cirurgia. Um risco de contaminação hospitalar. A foto que tira ao lado dos médicos que o atenderam mostra um homem alquebrado e fraco. Com o agravamento do seu estado, a família, orientada por um especialista, opta por enviá-lo a São Paulo e é internado do Hospital do Coração, da Universidade de São Paulo.

O passar do tempo é testemunha de que ele não melhora. É submetido a novas cirurgias. O sofrimento de Tancredo chega ao fim no dia 21 de abril de 1985, feriado nacional em homenagem a outro mineiro, Joaquim José da Silva Xavier, o único participante da Conjuração Mineira condenado à morte no Rio de Janeiro.

(*) – É âncora do Jornal Nova Brasil, colunista do R7. Mestre em História pela USP e inscrito na OAB. Palestras e mídia training. Canal no Youtube “Por Dentro da Máquina” (www.herodoto.com.br).