Gaudêncio Torquato (*)
Joe Biden, nos EUA, tem dito e repetido que Donald Trump é um mentiroso contumaz. E o republicano, agora com uma bandagem branca sobre uma orelha, torna-se favorito ao pleito de novembro, graças ao atentado de que foi vítima.
Produziu uma foto icônica, punho erguido, sangue escorrendo da orelha para as bochechas, com a estética que o insere no altar dos heróis, reforçada pelo grito: “lutem, lutem, lutem”.
Se for eleito, veremos um personagem voltando ao comando do poder executivo da maior democracia ocidental, fato que alargaria a teia de preocupações das Nações, face à identidade de um megaempresário do mundo da diversão, cujo foco de compromissos inclui extravagâncias, entre as quais a expulsão de 15 milhões de imigrantes, hoje sediados nos EUA. A escolha de um senador com visão ultraconservadora, J.D. Vance, compõe o rol de expectativas aterrorizantes.
Tentemos suavizar a leitura acima com o sentimento de que, chegando mais uma vez ao Salão Oval da Casa Branca, Donald Trump veria que a realidade mundial está a exigir um ocupante naquele espaço com responsabilidade para não exorbitar em suas funções de mandatário e retocar um discurso pleno de ameaças. E, sobretudo, que seja guiado pela bússola do bom senso.
Ocorre que a geopolítica em nossos tempos contemporâneos tem afastado os governantes de seus traçados e rumos, bastando ver a paisagem destrutiva que assola a Ucrânia e a Faixa de Gaza, onde falta vontade política aos protagonistas para acabar com as guerras em curso. Lá está Vladimir Putin, de olhos fixados na agregação de territórios aos seus domínios russos. Lá está Xi Jinping, da imensa China, com a cabeça balançando entre Oriente e Ocidente. Lá está Emanoel Macron, boquiaberto com a França dividida. E a União Europeia debatendo quem pode entrar no bloco.
Quem diria que na metade da segunda década do século XXI, o nosso habitat padeceria de situações de barbárie, atos que revelam um atraso civilizatório, tão horripilantes como os que devastaram, no passado, nações ao curso de guerras e massacres.
O momento sugere a reflexão: afinal, o que está por trás dos conflitos, medo e insegurança que banham o espírito do nosso tempo? Só mesmo a ambição, a ânsia do poder, o desejo do Homem em vencer seu semelhante, tornando este um refém de sua vontade. O altruísmo está dando adeus. A convivialidade humana se esvai na poeira da história. A grandeza abre crateras de terror e medo. A conflituosidade se adensa pelos espaços, sob a ameaça do “paradigma do caos”, nos termos usados pelo professor Samuel Huntington, de Harvard, e já expressos por este escriba em textos anteriores:
– “Quebra da lei e da ordem, Estados fracassados e anarquia crescente, onda global de criminalidade, máfias transnacionais e cartéis de drogas, declínio na confiança e na solidariedade social, violência étnica, religiosa e civilizacional e a lei do revólver.
Até parece que o relógio do Juízo Final está perto da meia noite. Abro, aqui, um parêntesis para descrever a história. (Em 1947, a artista norte-americana, Martyl Langsdorf, esposa do físico Alexander Goldsmith Jr, do projeto Manhattan -fabricação da bomba atômica, obra de Roberto Oppenheimer-, desenhou um relógio para a capa de uma revista.
Este relógio faz uma analogia com a raça humana, mostrando que ela está a segundos da meia noite, hora da destruição do planeta por uma guerra nuclear. De lá para cá, o relógio aparece no boletim dos cientistas atômicos, anunciando o apocalipse, fruto da multiplicidade de atos e comportamentos de países e líderes diante da iminência de uso de armas nucleares de destruição do planeta. O fim do mundo está mais próximo.
Lembrete: ao final da Segunda Guerra Mundial, bombas nucleares jogadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki deixaram efeitos devastadores. Ainda hoje sentidos.
Onomatopeias de horror – Santo Deus! Que tristeza! Quanta crueldade! Quanta crueldade…!) se ouvem aqui e ali. O medo nos faz fechar os vidros do carro. Portas e trancas fortes nos guardam em nossas moradias. A fuzilaria barulha as ruas. Os humanos procuram sombras de segurança. Mas esbarram em montanhas de violência.
Que Deus nos proteja!
(*) Escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.