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O recebimento de quotas como herança me obriga a assinar o acordo de sócios?

em Opinião
sexta-feira, 26 de abril de 2024

Daniel Bijos (*) e Joana Braga (**)

Neste ano, um cliente nos procurou para abrir uma holding para o pai, já em estado avançado de câncer, e fazer a transferência do patrimônio via quotas da empresa.

Foi o que fizemos, além de um testamento em que ele deixava a parte disponível do seu patrimônio (até 50% da sua parte, já que deve ser respeitada a quota parte do cônjuge) para três das filhas, pois havia um quarto filho, fruto de um relacionamento extraconjugal, que não tinha boa relação com a família.

Como é de praxe, elaboramos um acordo de quotistas regulando direitos e obrigações entre eles enquanto sócios na holding. O pai faleceu e foram inventariadas as quotas. O filho, que antes recebia pensão do pai (apesar da maior de idade, fez o pedido de pensão judicialmente e ganhou o direito de recebê-la) passou a ser sócio das irmãs e a deter quotas da empresa, mesmo que não tenha escolhido estar na sociedade. Vale dizer que a família não teria como pagar as quotas dele (mesmo com a economia de algumas dezenas de milhões de reais que o planejamento gerou), então a participação na sociedade com um lock up se fazia necessária.

Ele é sócio minoritário, já que detém 6,25% das quotas e, nesta situação, já é parte frágil, pois sempre será voto vencido nas deliberações da empresa. Agora a pergunta que não quer calar: por herdar quotas ele é obrigado a aderir ao acordo de sócios e aceitar tudo o que está ali disposto?

O documento contém cláusula “padrão” que determina que todas as quotas e os quotistas da empresa estão obrigatoriamente vinculados ao acordo e os terceiros, que as adquiriram, por ato oneroso (compra) ou gratuito (doação), deverão aderir ao acordo de sócios.

Pensando assim, a resposta à pergunta feita acima é óbvia: sim, ele tem que aderir. Mas não é tão simples: é verdade que a Lei das S.A. (que regula, juntamente com o Código Civil as relações societárias) prevê a obrigatoriedade de a companhia observar o conteúdo do acordo de sócios que esteja devidamente registrado na sede social, porém não há na lei qualquer disposição acerca da obrigatoriedade de adesão de um terceiro estranho ao pacto celebrado de a ele aderir. Além disso, a Constituição garante que ninguém é obrigado a se associar ou a permanecer associado a qualquer entidade.

Fato é que a autonomia da vontade ligada à liberdade de contratar que nada mais é do que a faculdade que alguém tem de assinar ou não um contrato, inclusive estabelecendo, juntamente com os demais contratantes, o conteúdo das cláusulas, é princípio norteador do nosso direito e se impõe em uma situação como essa.

Existem mecanismos para efetivar a vinculação de terceiros a acordos de sócios e incluir como parte os “novos quotistas” como, por exemplo, elaborar cláusula no acordo que obrigue que o “antigo quotista” somente pode alienar a sua participação societária caso o terceiro assine um aditivo ao acordo. Mas essa solução não se aplica ao caso de herdeiros, pois o quarto filho citado como exemplo no início do artigo é por lei legítimo herdeiro do pai e não se pode convencionar que ele só herdará as quotas caso se vincule ao acordo. 

Neste caso, a solução é convencê-lo a assinar o acordo –  mesmo porque não há qualquer cláusula no documento que o prejudique –  ou comprar sua participação, provocando a sua saída da sociedade, o que também não é fácil tendo em vista que esse sócio minoritário – na falta de previsão – pode querer cobrar pelas suas quotas um preço muito acima do que valem. 

Enfim, é uma situação que – para que não seja necessário acionar o Judiciário para valer uma cláusula dizendo que a vinculação é das quotas e ela também é transferível (independentemente da adesão formal ao acordo) – exige paciência e um longo caminho por meio da mediação. Fato é que melhor é ser sócio de um irmão do que condômino com ele. 

O direito societário é muito mais maleável e dá à empresa vida própria, não precisando acionar o Judiciário o tempo todo como seria preciso, caso não houvesse sido aberta a holding e os quatro irmãos fossem herdeiros de terras e fazendas. Aí sim seria uma extenuante e infindável briga, com necessidade da intervenção judicial para qualquer pequena necessidade, como repassar os valores dos arrendamentos das terras, por exemplo, o que não acontece no caso do cliente que recebe os valores pela holding e repassa à mãe e às irmãs, inclusive a esse irmão criador de caso. Enfim, sendo ou não obrigado a assinar o acordo de sócios, ele é obrigado a acatar a decisão da maioria dos sócios. Isso sim!

(*) Advogado especializado em planejamento patrimonial, nova economia, assuntos digitais e sócio da LBZ Advocacia.

(**) Advogada e graduada em jornalismo, com pós-graduação em Direito Civil e especialização em Direito Empresarial. Trabalha com planejamento patrimonial e sucessório na LBZ Advocacia.