Fernanda Mourão (*)
O mundo está em constante transformação, e o modo como trabalhamos não é exceção.
Impulsionados pela necessidade de uma rápida adaptação à pandemia, fomos lançados em um novo paradigma de trabalho, o trabalho remoto. Ainda assim, em meio a uma evolução tecnológica sem precedentes, esse modelo de trabalho parece enfrentar resistência no Brasil. Então, surge a questão: por que o trabalho 100% remoto ainda não decolou no nosso país?
Em primeiro lugar, precisamos reconhecer os progressos realizados. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o trabalho remoto foi adotado por 20,8% das empresas brasileiras em 2020, um aumento significativo em relação aos anos anteriores. Contudo, quando comparado a países como os Estados Unidos, onde 42% dos trabalhadores operavam em regime de teletrabalho em 2020, de acordo com o Stanford Institute for Economic Policy Research, o Brasil parece estar um passo atrás.
Os obstáculos são diversos, desde questões de infraestrutura – apenas 70,5% da população brasileira tem acesso à internet, segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT) de 2021 – até a resistência cultural, onde a produtividade é frequentemente associada à presença física no escritório.
No nosso país, trabalhar é também uma forma de socializar – característica forte da nossa cultura local. Como então, integrar essa questão cultural à realidade do trabalho remoto?
A solução pode estar justamente em uma abordagem que respeite nossa cultura e ainda assim incorpore a flexibilidade do trabalho remoto. De acordo com a pesquisa “State of Remote Work 2022” da Owl Labs, 77% dos trabalhadores remotos relataram maior produtividade ao trabalhar de casa e 80% dos trabalhadores norte-americanos trabalhavam de casa no final de 2022.
Ao considerar esses dados, fica claro que, mesmo valorizando o contato pessoal, os brasileiros ainda podem se beneficiar do trabalho remoto. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020, se gastava em média 1 hora e 56 minutos por dia no deslocamento casa-trabalho-casa. Ao se optar pelo trabalho remoto, pelo menos em alguns dias da semana, este tempo de deslocamento é eliminado, isso ainda contribui na redução da emissão de gases de efeito estufa.
Ao mesmo tempo o trabalho remoto oferece maior flexibilidade e melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e ainda podem trazer ganhos significativos em bem-estar e produtividade. Em linha com a sustentabilidade, o trabalho remoto está intimamente ligado ao conceito de “cidade em 15 minutos”.
Essa ideia, divulgada pelo prefeito de Paris, Anne Hidalgo, propõe que os habitantes de uma cidade deveriam ser capazes de alcançar tudo o que precisam para viver bem – trabalho, escola, lojas, parques – com uma caminhada ou pedalada de no máximo 15 minutos. A possibilidade de trabalhar de casa, ou de espaços de coworking locais, pode ajudar a reduzir a pressão sobre os centros urbanos, contribuindo para cidades mais distribuídas, agradáveis e sustentáveis.
O caminho a seguir envolve adaptação e aprendizado, tanto por parte das empresas quanto dos colaboradores. Políticas públicas de conectividade e investimento em treinamentos são elementos chave nesse processo. Mas é importante ressaltar que o trabalho remoto não é uma solução única para todos. Precisamos criar um ecossistema de trabalho que permita a flexibilidade, que valorize o bem-estar dos colaboradores e que respeite a cultura de cada lugar.
O futuro do trabalho é flexível e diverso. Com os investimentos corretos e uma mentalidade aberta, o trabalho remoto tem potencial para decolar no Brasil, contribuindo para uma força de trabalho mais inclusiva, diversa e feliz. Afinal, o futuro do trabalho é aquele que estamos dispostos a construir.
(*) É founder e CEO da Futuro Labs.