Está para nascer uma indústria mais prejudicial à saúde mental do que a do audiovisual. As extensas horas de trabalho, a competitividade do setor e o ego aflorado existente na área transformam a indústria um ambiente propício para prejudicar a saúde mental dos que atuam nela.
Quantas vezes vi profissionais se despedirem da área por esgotamento mental, buscando uma mudança de carreira para que conseguissem se cuidar e conquistar o tão sonhado equilíbro entre o trabalho e a vida pessoal.
Em 2021, membros da IATSE, sindicato que representa 60 mil trabalhadores do setor do audiovisual nos Estados Unidos, criaram uma conta no Instagram para coletar depoimentos de pessoas que trabalham na área e que sofreram diversos tipos de abusos. Entre os depoimentos estão os de assistentes que chegam a trabalhar até 20 horas diárias (você não leu errado!) em vários dias da semana sem qualquer suporte de seus empregadores, e quando tomam coragem de pedir um pequeno aumento, são escurraçados por quem os contrata. Os depoimentos que mais chamam atenção são os de mulheres que sofreram aborto espontâneo nos sets de filmagem devido a intensidade do trabalho, foram autorizadas a deixar o set a duras penas, mas não puderam voltar ao trabalho já que foram substituídas no mesmo instante.
Os empregadores desta área agem assim pois sabem que a indústria é extremamente competitiva e muitos profissionais estão esperando a oportunidade de trabalhar nessas grandes produções, o que acaba fazendo todos se tornarem muito substituíveis aos olhos dos empregadores. Fora isso, esses mesmo empregadores que hoje abusam de seus assistentes, sofreram abusos no começo de suas carreiras quando ocupavam essas posições. É uma cadeia sistêmica.
A grande maioria das pessoas que adentra essa indústria é apaixonada pelo conceito dela, o de trabalhar contando histórias através das telas. Essa paixão combinada com a ideia de que, para se ter sucesso nessa área, é necessário “morrer” por ela, leva as pessoas a se submeterem a diversos tipos de abusos, como receber salários irrisórios, ser responsáveis por tarefas que não os competem, trabalhar mais de 16 horas por dia, entre outros. Isso tudo com a esperança de “chegar lá”.
Eu digo isso com propriedade, pois já estive nessa posição. Já me submeti a uma rotina de trabalho de 18 horas diárias, ganhando o suficiente para ter um lugar para dormir, apesar de nunca conseguir ter uma noite de sono decente.
Com a pandemia do Coronavírus e a paralisação das produções em Hollywood, os profissionais da indústria tiveram tempo de repensar suas rotinas e o impacto delas em suas vidas. Com isso, o sindicado ameaçou começar uma greve que suspenderia todas as produções de cinema e televisão nos Estados Unidos na maior paralisação desde a greve de roteiristas de Hollywood entre 2007 e 2008.
Um acordo foi firmado e essa greve acabou não acontecendo, porém a luta por melhores condições de trabalho ainda continua e parece estar longe de acabar.
Marina Vecchi é Produtora Audiovisual e Mestre em Produção de Cinema pela Full Sail University, nos Estados Unidos. Marina atuou no setor de Home Entertainment da Sony Pictures Brasil como Assessora de Imprensa. Já nos Estados Unidos, trabalhou como assistente de produção em séries como “Westworld”, “Kidding”, produzida e protagonizada por Jim Carrey, o clássico da tv americana “The Goldbergs” e a série original do Youtube vencedora do prêmio Emmy 2020, ‘Could You Survive the Movies?’. Agora baseada em Seattle, Marina atua no departamento de cinema do estado de Washington na aprovação e suporte de produções cinematográficas e séries de tv produzidas na região com o incentivo do estado.