717 views 7 mins

Como a Jornada do Espectador Afeta a Percepção do Evento

em Economia da Criatividade
quinta-feira, 26 de maio de 2022

O trabalho com processos tem um lado curioso: todos os eventos que frequento acabam passando por uma avaliação técnica informal, principalmente naquilo que diz respeito à jornada do espectador para chegar ao evento. O conceito de jornada do espectador faz parte da disciplina de desenho da experiência do usuário, um conceito que engloba todos os pontos de contato do espectador com algum elemento da marca, ou neste caso, com o evento. A experiência do usuário é um conjunto de atributos que determina quão satisfatória é a experiência do publico ao participar do evento, e inclui desde a logística até o fator de encantamento proporcionado pela experiência sensorial.

Aprendi este conceito durante o meu trabalho de planejamento para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio 2016, onde havia uma percepção muito clara de que o evento não começava quando o juiz apitava o início da partida, mas sim quando o espectador saía de casa.

Para a organização dos Jogos Olímpicos, entendia-se o espectador como sendo um participante ativo de toda a experiência olímpica, sendo ele detentor de um ingresso ou não.  Por isso, durante a fase de planejamento dos Jogos, foram mapeados todos os fluxos de pessoas, desenhados os caminhos pelos quais iriam se locomover e elaborados percursos para a sua movimentação na cidade. A idéia era minimizar o desconforto dos espectadores, viabilizar a operação da cidade e maximizar a experiência olímpica.

Como esses conceitos se aplicam a um evento, principalmente a grandes eventos com público considerável? Todo evento busca a criar uma experiência memorável para o espectador, portanto é importante que os organizadores tenham a percepção de que este já começa quando os espectadores deixam as suas casas. Me lembro de um concerto de uma banda de rock internacional que foi realizado na Barra, no Rio de Janeiro. Era um evento gigantesco, para o qual havia comprado ingresso com enorme antecedência. Foi lindo..mas tive que ouvir do carro, presa num engarrafamento monstro.  Não havia esquema de trânsito no local do evento, e a Barra parou. Consegui assistir às três últimas músicas e ainda tive que sair logo para não pegar o fluxo de saída.

Experiência totalmente diferente foi a do Rock in Rio de 2019, onde a produção do evento organizou um esquema para a utilização de ônibus especiais com compra antecipada. Comprei meu passe com hora marcada, embarquei no ônibus, cheguei no evento, dancei feito uma louca e voltei para casa feliz da vida. Só boas memórias e uma grande vontade de voltar.

Em evento recente, optei pelo transporte publico por entender que esta seria a forma mais adequada de acessar um evento localizado em uma área com histórico de trânsito complicado. O local era localizado ao lado de um grande terminal de ônibus, e portanto imaginei que o transporte público seria uma das formas de acesso. Até certo ponto se entende que os serviços públicos de transporte estão muito aquém, tanto em qualidade quanto em frequência, das necessidades de uma cidade do tamanho do Rio de Janeiro. No entanto não levar este modal em consideração e deixar de incluí-lo no planejamento de um evento de inovação e sustentabilidade me pareceu incoerente.

Sentada no auditório, escutando gestores públicos e grandes especialistas palestrarem sobre a importância do desenvolvimento urbano sustentável, não pude deixar de lembrar da falta de sinalização, da grande poça de água suja no túnel que levava ao evento e do enorme engarrafamento gerado pelos carros dos espectadores buscando um estacionamento que não estava disponível.  Adorei as palestras, encontrei várias pessoas conhecidas, mas saí com aquele sentimento de que talvez fosse importante compatibilizar as ações com as palavras.

Uma boa experiência do espectador tem alguns atributos importantes que precisam estar incluídos no seu planejamento:

  1. Acessibilidade para todos os públicos com necessidades especiais, tais como mulheres gravidas e portadores de limitações físicas diversas. Neste quesito é importante pensar nos públicos menos óbvios, tais como pessoas que portam grandes volumes ou famílias com crianças pequenas.
  2. Intuitividade com a elaboração de orientações claras e de fácil leitura, levando em consideração a luminosidade do local onde estão expostas.
  3. Previsibilidade e desempenho buscando sempre otimizar os modais existentes ou desejados através de parcerias com estacionamentos, empresas de taxi ou aplicativos de transporte.
  4. Comunicação clara, coerente e principalmente acessível.

Toda jornada é carregada de expectativas, percepções, emoções, sofrimentos e decepções. Como você, organizador do evento, gostaria que a sua fosse lembrada?

Especialista em Processos e Projetos, com mais de vinte anos de experiência em gestão de processos e planejamento operacional. Atuou em empresas de diversos segmentos incluindo consultoria de gestão, telecomunicações, tecnologia da informação, serviços financeiros, óleo & gás, megaeventos, parques temáticos e associações de classe. Hoje é sócia da Gig Flows, uma consultoria de gestão que se dedica exclusivamente ao planejamento estratégico e melhoria de processos para empresas das Indústrias Criativas e do Entretenimento ao vivo. Andréa é advogada formada pela PUC-RJ com MBA pelo IAG PUC-RJ e Master’s Degree em Entertainment Business pela Full Sail University, Mestre em Gestão da Economia Criativa pela ESPM e finalizando uma pós-graduação em Direito Intelectual pela PUC-RJ.