Hidalgo Dal Colletto e Ricardo Helmlinger (*)
2020 foi um ano que, realmente, ficará na memória mundial. Em mais de 30 anos de trabalho, vimos poucos movimentos mercadológicos tão surpreendentes como os ocorridos neste ano e, para nossa surpresa, o setor industrial parece demonstrar sua capacidade de fênix – o ser mitológico que morre, é consumido em chamas e renasce das cinzas.
Os números do ano comprovam essa comparação. Em abril, início da pandemia, a produção industrial tomou um tombo de -18,8% – índice recorde desde que os números começaram a ser computados pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em 2002. O setor passou por uma fase de desolação. Porém, em maio e junho, iniciou-se uma retomada, com índices produtivos positivos em 7% e 8,9% que, se não foram suficientes para cobrir a queda anterior, ao menos deram o acalanto que a fênix precisava para renascer.
Por mais quatro meses seguintes, os números permaneceram positivos, mesmo o país mantendo-se em pandemia: junho apresentou 8% de crescimento; agosto, 3,2%; setembro, 2,6% e outubro, 1,1%. Quando novembro chegou, houve a queda de -1,2% – e, no acumulado do ano, o setor industrial tem queda de -1,1%.
Pesquisados sobre esses números, os empresários do setor parecem confiantes. Conforme mostra a CNI, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI) ficou estável entre novembro e dezembro. Os empresários da indústria seguem confiantes pelo quinto mês consecutivo, marcando a continuidade do otimismo. Segundo a entidade, o otimismo deve dar suporte à retomada da trajetória de crescimento pré-crise, já que, de uma forma geral, a indústria já ultrapassou os níveis de produção do início de 2020.
É o nosso caso. Adquirimos uma pequena indústria de placas eletrônicas situada em Campinas em abril. Preocupados com a pandemia, os ex-proprietários decidiram fechar as portas e colocaram cerca de 30 funcionários (quase todas mulheres, na faixa etária média de 45 anos) em aviso prévio. Sem dívidas, mas com baixo faturamento, a indústria poderia performar bem, desde que fosse competitiva, com equipes de vendas e gestão profissionais.
Ao assumir a empresa, readmitimos as colaboradoras, buscamos vendedores no mercado para compor uma equipe afinada, ampliamos a linha de produção para dois turnos (já estamos no terceiro), injetamos capital e passamos a fomentar a cadeia de suprimentos, oferecendo crédito a projetos de nossos clientes. Ao fazer a roda girar, ganhamos mercado.
O próximo passo foi a internacionalização da marca: nos candidatamos ao projeto Portugal 2020, que financiará empresas de tecnologia em solo português. A ideia é termos uma fábrica própria instalada lá, para atender o mercado europeu. O resultado está para ser divulgado, mas já estamos atuando em Portugal, em parceria com uma indústria local, do mesmo porte que a nossa.
Entramos para o programa de aceleração do Instituto Pedro Nunes, incubadora da Universidade de Coimbra, que nos auxiliará na estruturação do projeto de internacionalização industrial. Também adquirimos um percentual de uma fábrica em Manaus, em novembro, para oferecer competitividade da Zona Franca, em termos tributários aos nossos clientes e aumentar a capilaridade de atendimento no Brasil.
Com tantas novidades e ampliação, geramos empregos diretos e indiretos. Já dobramos o número de colaboradores no Brasil e conseguimos propiciar a todos os nossos funcionários o benefício de bolsas de estudos, para que cursem a universidade, pós-graduação ou técnico em áreas condizentes a nossa atividade.
Não sabemos o tempo que a pandemia durará. Também não podemos prever se virão outras crises que nos façam mudar os rumos ou que interfiram diretamente sobre a Economia brasileira ou mundial. O que podemos dizer é que acreditamos que existem algumas possibilidades de fomentar negócios e que é preciso agarrar-se a elas.
Sabemos que somos privilegiados por fazermos parte da exceção: 2020 foi um ano ruim para a Economia e nosso resultado – faturamos três vezes mais do que em 2019 – significou dias longe de nossas famílias, noites sem dormir e exaustão física e mental. Valeu a pena, mas pode ser mais fácil se houver incentivos à produção industrial, reformas administrativas e tributárias e chances maiores para os menores – porque os pequenos são os grandes empregadores.
Quem sabe, um dia, veremos a verdadeira retomada da indústria brasileira, que é capaz de entregar grande qualidade e ser competitiva, fazendo o país depender menos da produção chinesa.
(*) – São sócios da Standard America, indústria de placas eletrônicas para as áreas de agricultura, automação industrial, automotiva, internet das coisas, telecomunicações, segurança, iluminação, saúde, aeroespacial e indústria naval.