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As empresas e o desafio da recuperação

em Opinião
sexta-feira, 21 de agosto de 2020

José Pio Martins (*)

A debilidade financeira das empresas é progressiva à medida que a suspensão das atividades e o isolamento social vão aumentando o tempo de duração.

O caso de um empreendedor que comprou uma loja em shopping center, fez reforma no início do ano, adquiriu estoque, abriu as portas em fevereiro com expectativa de sucesso e desde a metade de março até hoje foi obrigado a fechar as portas é exemplo dramático de um negócio rumando à falência e levar junto a poupança de uma vida inteira.

Conto esse caso, verdadeiro, porque ele simboliza uma situação que, em diferentes proporções, atingiu milhões de empresas brasileiras, de todos os portes: micros, pequenas, médias ou grandes. Duas marcas típicas desta pandemia são a ignorância científica sobre o vírus e a incerteza sobre o fim do isolamento. Todo o cenário é grave e, com poucas exceções, debilitou as finanças de empresários, empregados, autônomos, estudantes e famílias.

Toda organização econômica – seja ela uma empresa com fins lucrativos, instituição filantrópica, clube social, condomínio, hospital, igreja, escola ou qualquer unidade que reúne fatores de produção (matérias-primas, trabalho, capital e iniciativa empreendedora) – é uma empresa. Podem mudar os objetivos, os propósitos e a finalidade lucrativa ou não, todas têm problemas técnicos e científicos similares. Em larga medida, a vida de uma família tem problemas parecidos com os das empresas.

Nas organizações que vão à falência, como também nas finanças pessoais, em geral o fracasso é resultado de uma sequência de problemas e erros. É raro ver uma empresa bem-sucedida trilhar o caminho do fracasso em tempo curto. Quase sempre, é uma longa estrada de equívocos. Neste ano de 2020, a exceção à regra tem causa na pandemia, no isolamento social, na proibição de abrir as portas do negócio, na parada brusca das atividades e na perda ou redução de receita e renda familiar.

A surpresa e a agressiva transmissão do vírus jogaram o mundo em uma freada profunda, sem chance de planejamento e preparação. A incapacidade de prever o fim do isolamento e as incertezas decorrentes continuam danificando os negócios, as empresas e os trabalhadores, pois a queda nas receitas, na produção e nos salários pegou a todos, pessoas jurídicas e pessoas físicas. Começando o segundo semestre, quem conseguiu se manter respirando tem o desafio de encontrar a estratégia adequada e executá-la com eficiência para tentar se reerguer. Proponho que pensemos em um plano com quatro eixos.

Eixo 1 – Ambiente Externo. Desenhar o ambiente externo à organização ou à família, listar como o cenário era antes e como está agora, fazer comparação e identificar as diferenças entre o antes e o depois da pandemia. É importante ter um diagnóstico bem elaborado para entender o quadro geral do ambiente externo e seus agentes principais: o cliente, o fornecedor, o concorrente, o governo, o mercado e as perspectivas econômicas.

Eixo 2 – Estrutura Organizacional. Fazer um raio X da estrutura econômica e financeira da organização (ou família) sobre ativos, passivos, estrutura de capital, financiamentos, potencial de vendas, produtividade, geração de caixa, processo operacional, margem de lucro (ou de poupança, para as famílias). Com esses elementos identificados, é importante elaborar orçamento com base zero (como se a empresa nascesse hoje), de forma realista e compatível com as condições do mercado onde atua.

Eixo 3 – Estratégias de Recuperação. Se uma pessoa é atropelada e dá entrada em um hospital, o médico adota um protocolo: primeiro, salvar a vida; segundo, salvar o órgão; terceiro, salvar a função. Ou seja, a prioridade é salvar a vida do paciente para, em seguida, salvar os órgãos e, depois, salvar as funções. É mais ou menos a mesma coisa para salvar as finanças de uma organização empresarial ou familiar. A estratégia deve incluir as principais medidas e operações capazes de recuperar o negócio e sobreviver.

Eixo 4 – Plano de Ação. Na sequência dos eixos anteriores, elaborar um plano com as ações necessárias, descrição operacional de cada uma, responsável, data de início e data de conclusão. Para cada ação, o responsável deve ter um roteiro de tarefas e seguir o caminho de executar, avaliar, revisar, corrigir, concluir. Mas, importante: é preciso trabalhar e executar tudo com método, disciplina, ordem e rigor nas fases de diagnóstico, de planejamento e de execução.

É um momento difícil e não há milagres nem caminho curto. Reerguer uma organização abalada pela crise, assim como superar uma crise financeira familiar, é um processo árduo e trabalhoso, que exige sensibilidade para entender a realidade, inteligência para planejar e eficiência para executar.
Por fim, vale um exercício intelectual que responda a uma pergunta: o que aprendemos com essa crise?

(*) – Economista, é reitor da Universidade Positivo.