Eduardo Ibrahim (*) e Renato Melo (**)
Os impactos do COVID-19 na economia já estão na mesa. Segundo estimativas recentes da ICAO (International Civil Aviation Organization), agência especializada das Nações Unidas, a perda de receita do setor aéreo deve ser de 5BI USD entre as 70 companhias que já anunciaram cancelamento de seus voos internacionais no primeiro trimestre.
Significa que cerca de 20 milhões de pessoas deixarão de viajar em todo mundo, apenas nos três primeiros meses do ano. Além de repensar destinos, frotas, tripulação e contingências, as companhias precisarão identificar quais tarifas devem ser praticadas afim de não desestimular ainda mais o desejo ou a necessidade de viagem.
Curioso é que no Brasil temos cerca 25 milhões de assentos vazios anualmente, quase 10 p.p. maior comparado à taxa de ociosidade do mercado americano. Ou seja, podemos dizer que o setor aéreo brasileiro sente o impacto de um COVID-19 tofo ano! Não é à toa que o setor registrou prejuízo em 7 dos últimos 10 anos.
Quem trabalha com gerenciamento de receita sabe que em momento de picos de demanda, tanto para cima quanto para baixo, as regras de preços não costumam funcionar tão bem assim. Nesses momentos fatores emocionais – de medo ou euforia p.ex. – estão rondando a cabeça dos consumidores e a dinâmica de compra muda completamente. Quando uma crises dessas acontece isso fica evidente.
Mas independente de crises, os resultados anuais do setor já deveriam ser suficientes para que as companhias encontrassem novas formas de vender tarifas mais adequadas à economia local, e assim, aumentar a taxa de ocupação das aeronaves com segurança.
Se as cias aéreas brasileiras conseguissem vender a metade desses assentos ociosos por uma tarifa média de R$350 teriam um incremento de mais de R$4,3 bilhões no caixa, com 12,5 milhões de novas viagens divididos em novos clientes e/ou mais viagens/ano por passageiro.
Sabemos que as cias aéreas já investem em ações comerciais, de marketing e em revenue management cada vez mais informatizadas no intuito de identificar, clusterizar e fidelizar seus clientes. Mas por que ainda não conseguem otimizar estes milhares de assentos?
Porque seu sistema de vendas entre canais e políticas de preços/descontos são praticamente os mesmo há mais de 50 anos. Embora muitos esforços em aprimorar esses sistemas estejam sendo feitos, inclusive utilizando Inteligência Artificial.
Mas quando a arquitetura de vendas não muda, o que a IA pode fazer é otimizar processos antigos. Por mais que você use tecnologias avançadas, se você não olhar para o modelo de negócios (receita e vendas principalmente) você estará fazendo mais do mesmo.
Algumas cias aéreas, por exemplo, avançam em analises por CPF para distinguir venda direta da indireta ou corporativo do lazer e oferecer viagens/preços personalizados para viajantes frequentes.
Ajuda, mas será que é suficiente para preencher 25 milhões de assentos/ano ociosos? Os números do setor mostram que não.
Na dinâmica econômica de hoje, com viajantes hiperconectados e dados na nuvem, é possível criar modelos de análise em tempo real, previsões mais apuradas e decisões mais assertivas em todo o período de venda de cada voo, aumentando o número de viagens/ano por passageiro, elevando o yield e o ticket médio em todos os voos.
Possível? Sim. Fácil? Claro que não. Estamos falando em mudar um processo estabelecido há mais de 50 anos. Por isso, precisamos de empresas aéreas capazes de tomar decisões mais ousadas e inovadoras com investimentos reais para terem resultados diferentes e saberem navegar (ou voar) em momentos como esse.
Se isso não acontecer, os próximos 10 anos serão iguais aos últimos 10, independentemente de novas crises. Será que é isso que as cias aéreas querem? Quem sairá na frente?
(*) – Especialista em Inteligência Artificial, é professor da SingularityU Brazil e CTO da Trafega.com. (**) – É CEO da Trafega.com, startup que oferece solução para o relacionamento sustentável entre empresas aéreas e viajantes.