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Lições da Bastilha

em Artigos
quinta-feira, 25 de julho de 2019

Edi Aparecido Trindade (*)

Há cerca de 10.000 anos o ser humano começou a vivenciar um momento importante no que diz respeito à sua organização social.

O domínio das técnicas de plantio e a domesticação de animais foi permitindo a sua fixação e o consequente fim da vida nômade. A Revolução Agrícola criou as condições para o surgimento do que chamamos de civilização: uma estrutura social cada vez mais complexa e que possibilitou a transformação da existência humana em todos os seus aspectos.

Um ponto importante a ser destacado sobre a trajetória humana desde então é que ela não ocorreu de forma linear entre todos os povos que foram, progressivamente, ocupando o globo terrestre. As características e as particularidades de cada região apresentaram diferentes desafios para cada grupo humano, resultando em distintas formas de organização social e, consequentemente, em estruturas culturais absolutamente diversas.

Entretanto, um traço comum em todos os povos foi a prática generalizada da escravidão e da servidão. Pelas mais diversas razões ou sob as mais variadas justificativas, alguns grupos, controladores ocasionais de algum tipo de poder, sentiam-se no direito e tinham força para submeter outros grupos ao seu domínio. Por mais paradoxal que possa parecer, a civilização criou condições para impedir o exercício da liberdade de uma boa parte dos indivíduos.

A prática da escravidão e da servidão era legal, legitimada e moralmente aceita pelas sociedades e foi elemento constitutivo em quase todas elas ao longo da história. Tornou-se uma relação social naturalizada apesar de todos os movimentos de resistência e enfrentamento levados a cabo pelos grupos atingidos diretamente por ela ou por outros grupos que condenavam tais práticas.

Somente no século XVIII, ou seja, muito recentemente, alguns movimentos foram capazes de promover mudanças na estrutura social que possibilitaram, do ponto de vista formal, a afirmação universal dos princípios da liberdade e da igualdade entre todos os seres humanos. Sem entrar no mérito do aspecto formal e do aspecto real, é preciso destacar que foram necessários aproximadamente 10.000 anos para que a humanidade entendesse que era preciso eliminar dos seus ordenamentos legais a anuência à exploração e degradação das pessoas.

Entre os movimentos daquele século, a Revolução Francesa se destaca como um dos mais importantes. Influenciada pelos ideais iluministas, esta revolução guiou-se pela conquista da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. “São esses os direitos que vão sintetizar a natureza do novo cidadão e essas as palavras de ordem dos que se amotinaram contra as opressões das quais há século padeciam”.

A tomada da Bastilha em 14 de julho de 1789 constituiu-se como um marco do movimento francês. A partir de então o curso em direção às mudanças tornou-se irreversível e, no dia 26 de agosto, a Assembleia Nacional aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, cujo artigo 1º estabelece que “Os Homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”.

Naturalmente que a Revolução Francesa não é um fato isolado. Ela se insere em um longo processo de lutas pelas garantias à dignidade humana e é uma das referências mais significativas para a construção dos Direitos Humanos. Ainda que por si só insuficientes, foi naquele momento que definitivamente se consolidou no ordenamento jurídico que todos devem ser livres e tratados com igualdade, abrindo caminho para a luta por mecanismos mais amplos de proteção ao ser humano.

Decorridos pouco mais de 200 anos do movimento francês, parece que as sociedades ainda não conseguiram assimilar o exato significado e a importância daquelas conquistas. Vários acontecimentos no mundo todo têm passado a ideia de que práticas antigas de intolerância e discriminação são naturais.

Certamente, ainda temos um longo caminho a ser percorrido para construir uma sociedade mais justa, mas um passo fundamental para essa jornada é a aceitação das nossas diferenças.

(*) – É Mestre em Economia Social e do Trabalho. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.