Mauricio Endo (*) e Diogo Mac Cord (**)
Um dos principais problemas brasileiros está relacionado à deficiência no suprimento de água encanada e saneamento básico.
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o estoque de ativos de diferentes setores da infraestrutura destaca que o Brasil tinha em 1970 um estoque de 4,4% do PIB em infraestrutura de água e saneamento. O índice chegou a 5,8% em 1984, quando iniciou uma curva descendente que atingiu o ponto mais baixo em 2012. Neste ano, o estoque de infraestrutura de saneamento correspondia a apenas 3,7% do PIB nacional.
O quadro continua preocupante. Dados do Trata Brasil revelam que, em 2018, 35 milhões de brasileiros não dispõem de água encanada e quase 100 milhões de pessoas não têm seu esgoto coletado. Mas os problemas não param por aí: entre os que estão conectados à rede de água, são comuns interrupções no abastecimento, e entre todo o esgoto coletado, apenas 45% é tratado.
Na cidade mais rica do país, São Paulo, informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicam que apenas 62% de seu esgoto é tratado. Além disso, 37% da água é desperdiçada por defeitos nas tubulações da distribuidora ou ligações clandestinas. Como o serviço ainda precisa chegar para todos, é necessário que sejam destinados mais recursos. De acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), serão necessários cerca de R$ 420 bilhões para universalizar o serviço, em valores atualizados.
Em termos regulatórios, há mudanças promissoras. A Medida Provisória 844, de 2018, atualiza o marco legal do saneamento básico e altera leis já existentes. Com a alteração, a Agência Nacional de Águas (ANA) tem competência para editar normas de referência nacionais sobre o serviço de saneamento – uma atividade, hoje, pulverizada, e muitas vezes negligenciada pelas autoridades locais.
Apesar de algumas questões ainda controversas, a MP 844 traz avanços à universalização do serviço de saneamento básico. A padronização de conceitos regulatórios reduz custos aos prestadores e ajuda a atrair novos investidores, aumentando a concorrência – e, por consequência, reduzindo custos e melhorando o serviço prestado.
Um dos exemplos interessantes é o da Inglaterra, que adota há décadas um modelo centralizado de regulação. A Ofwat, agência britânica para o saneamento, foi fundamental para viabilizar a privatização do setor, o que ocorreu na década de 1980. No entanto, ao contrário do modelo inglês (onde as empresas foram privatizadas de maneira “perpétua”), no Brasil as concessões duram algo em torno de 30 anos, o que permite testar periodicamente a eficiência do mercado.
Espera-se que, com este novo modelo, maus prestadores (sejam eles públicos ou privados) sejam impedidos de continuar a operação, passando compulsoriamente este atendimento a prestadores mais eficientes; como consequência, prestadores já eficientes teriam não só a possibilidade de permanecer em seus mercados atuais, como também expandir, ganhando mais escala e reduzindo custos ao usuário.
Em um país onde uma população equivalente à do Canadá não tem acesso a água e onde uma população equivalente à da Argentina e da Colômbia, somadas, não tem acesso a coleta de esgoto, esta é uma notícia que traz a esperança de um futuro melhor.
(*) – É Sócio-líder de Governo e Infraestrutura LatAm da KPMG.
(**) – É Sócio-diretor de Governo e Regulação da KPMG no Brasil.