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Denúncias de feminicídio e tentativas de assassinato chegam a 10 mil

em Especial
quarta-feira, 22 de agosto de 2018
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Denúncias de feminicídio e tentativas de assassinato chegam a 10 mil

Quase dez mil mulheres foram vítimas de feminicídio ou tentativas de homicídio por motivos de gênero nos últimos 9 anos, segundo levantamento da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180

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Foto: Antonio Cruz/ABr

Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam), no DF.

Débora Brito/Agência Brasil

Desde 2009, a central registrou denúncias de morte de pelo menos 3,1 mil mulheres e outras 6,4 mil foram alvo de tentativa de assassinato. Na última década, o pico de registros ocorreu em 2015, ano em que o feminicídio foi incluído no Código Penal brasileiro como qualificador de homicídio e no rol de crimes hediondos. Naquele ano, a central recebeu 956 registros de assassinatos de mulheres, contra 69 mortes apontadas no ano anterior.

O número de denúncias, entretanto, está muito aquém das ocorrências de feminicídio. Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, só em 2016, cerca de 4.635 mulheres foram mortas por agressões, uma média de 12,6 mortes por dia. A secretária nacional de Mulheres, Andreza Colatto, explica que ainda há subnotificação de denúncias e alerta que muitos casos de assassinato de mulheres poderiam ser evitados. “Quando nós interrompemos um ciclo de violência contra uma mulher por meio de uma denúncia simples salvamos muitas vidas”, destaca Andressa.

Ela lembra que o Ligue 180 pode ser acionado em todo território nacional e em mais 16 países. “A denúncia pode ser feita anonimamente. Ninguém se compromete ao denunciar, apenas apoia e auxilia mulheres que ficam desprovidas de coragem para fazer essas denúncias. É necessário que a sociedade se empenhe na ajuda contra esse problema tão grave que, todos os dias, tem registrado aumento de casos no Brasil”, reforça. O assassinato de mulheres devido à condição feminina é a expressão mais grave dos vários tipos de violência de gênero. Segundo a Central, desde 2009 foram relatados quase 737 mil casos de violência doméstica – mais de 80% do total de denúncias recebidas no canal.

Das agressões denunciadas em ambiente familiar nos últimos anos, quase 60% são físicas e cerca de 30% psicológicas, tipos de violência que geralmente precedem o crime do feminicídio. De acordo com a chefe do Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam) do DF, Graciele Reis, a violência doméstica é o crime mais identificado nos relatos de mulheres.

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Foto: Antonio Cruz/ABr

A assistente social Graciele Reis é coordenadora do Ceam.

“Violência doméstica é o carro-chefe. Normalmente, quando a mulher busca ajuda já chegou na violência física. Para que ela entenda que está passando por uma violência psicológica, realmente ela está no ápice da humilhação, do isolamento”, alerta a assistente social. Segundo a OMS, um terço das mulheres do mundo já sofreram alguma vez na vida violência física e/ou sexual. A organização estima que mulheres expostas a violência doméstica têm duas vezes mais chance de desenvolver depressão e uso abusivo de álcool.

Graciele destaca que a melhor forma de prevenir o feminicídio é identificar os casos de violência psicológica. Casos de violência patrimonial dentro do casamento também são menosprezados, segundo a assistente social. “Todo mundo entende violência sexual como aquele estupro que puxa, rasga roupa. Mas aquela fala do homem ‘você é fria, você não quer nunca’, ‘você é minha esposa e tem que cumprir também esse papel’; ele fica mal-humorado, ela cede para ele não ficar grosseiro, as mulheres não compreendem isso como violência sexual”, ressalta.

Para a vice-presidente do Instituto Maria da Penha (IMP), Regina Célia Almeida Silva Barbosa, é importante ficar atento a agressões verbais e importunações que, muitas vezes, são vistas com naturalidade. “Feminicídio não começa com feminicídio. Ele começa nas sutilezas daquilo que muitas vezes o autor da violência entende como uma permissão [da mulher]”. O Ceam atende mulheres de diferentes perfis sociais – desde pessoas em situação de rua até mulheres ricas.

Denuncias 1 temporiarioEm comum, elas têm o medo de retaliação do companheiro e de serem julgadas pela sociedade, a falta de informação sobre os tipos de violência e as dificuldades de expor o problema, principalmente na esfera policial e criminal. “Já atendemos mulheres que passaram por violências físicas graves, dente arrebentado, facada, tiro, paulada. Não é fácil se deslocar de casa [para denunciar], não é fácil criar coragem, mas há vários casos de superação”, disse Graciele.

Márcia (*), 44 anos, é um das mulheres atendidas pelo Ceam que tem superado o medo e o trauma da violência doméstica. Durante os anos de casada, ela foi impedida de estudar e trabalhar por ciúmes desmedidos do marido. O desejo de encerrar o relacionamento de oito anos tornou o companheiro mais agressivo. Ele se recusou a deixar a casa e passou a humilhar e maltratar a mulher.

“Eu estava triste, porque não estava mais dando certo e eu vi que já estava começando a ficar doente, não estava mais aguentando. Eu estava tão abalada que não sabia o que fazer, a gente fica sem chão, sem rumo, sem forças”, relata. Márcia passou a perceber que ele estava a ponto de agredi-la. Prevendo o pior, ela decidiu buscar ajuda. “Liguei no 180, conversei, desabafei um pouco, porque eu estava vendo que eu tinha que me movimentar, porque se eu não me mexesse, eu já estava enxergando o que ia acontecer”, completou.

Ela também recorreu ao Ceam onde recebeu atendimento psicológico e assistência social. “Elas perceberam que eu estava precisando e começaram a me atender. Ali é um meio de ajudar as mulheres que passam por problemas de violência, não só física, mas psicológica. Realmente fortalece, porque quando a gente se sente esmagada, triturada por alguém é como se não tivesse ninguém para te acolher, te amparar”, conta.

Denuncias 2 temporiarioQuando Márcia buscou apoio, o ex-companheiro saiu de casa, intimidado pela iniciativa da mulher de denunciar a situação. Hoje, ela cursa faculdade e já está aconselhando amigas da vizinhança que passam por situações de violência a buscarem ajuda. “Se todas as mulheres que passam por isso pudessem evitar a partir desse momento da agressão psicológica, antes de chegar à agressão física, eu acho que já seria um grande fato para evitar esse número de mortes”, afirma.

(*) – Nome fictício para preservar a identidade da vítima.