Consta que Elon Musk sonha transformar o antigo Twitter, agora chamado X, em um super aplicativo, ou super app.
Vivaldo José Breternitz (*)
Talvez o mais famoso destes seja o chinês WeChat, desenvolvido pela Tencent, que é usado naquele país para absolutamente tudo no dia a dia: pagar contas, pedir comida, chamar um táxi, comprar bilhetes para eventos e passagens de trem e até mesmo solicitar um empréstimo ou divórcio.
Aplicativos como esse não existem nos Estados Unidos ou na Europa, mas são relativamente comuns na Ásia; o WeChat conta com mais de 1 bilhão de usuários ativos somente na China.
O Weixin (seu nome em chinês) estreou em 2011 como uma plataforma de mensagens instantâneas no estilo do WhatsApp, embora tenha incluído muito cedo mensagens de voz e chamadas de vídeo. O aplicativo também cresceu como uma alternativa ao Facebook, Instagram e X, que são proibidos na China, permitindo que os usuários compartilhem fotos, músicas, textos e links.
Tem também funcionalidades semelhantes às do Tinder, como ‘encontrar pessoas próximas’ ou uma bastante engenhosa, a de enviar uma ‘mensagem em uma garrafa’, com a esperança de que alguém a encontrasse flutuando no ciberespaço. Mais recentemente, a opção ‘Canais’ foi adicionada – funciona como o Douyin, a versão chinesa do TikTok.
Além disso, como a Tencent é uma das maiores empresas de jogos online do mundo, criadora do Fortnite e League of Legends, no WeChat também é possível jogar online.
A primeira grande revolução do WeChat, que o levou além das redes sociais, ocorreu quatro anos após o seu lançamento, quando combinou funcionalidades de pagamento e compras online que até então só estavam disponíveis usando diferentes aplicativos de comércio eletrônico e bancos móveis. O WeChat Pay, junto com o Alipay (do Ant Group, uma subsidiária da Alibaba), são os maiores serviços de pagamentos móveis da China.
A carteira virtual do WeChat pode ser vinculada a um cartão de crédito e débito e permite enviar dinheiro para outras pessoas de maneira muito simples e intuitiva, sem taxas.
A Tencent, sediada na cidade de Shenzhen, investiu também em outras grandes empresas para integrar seus serviços ao WeChat, como nas de comércio eletrônico JD.com e Pinduoduo, no serviço de transporte compartilhado Didi Chuxing e na de entrega de comida a domicílio Meituan – todos esses serviços podem ser utilizados sem que o usuário saia do WeChat ou precise baixar ou instalar outros programas.
Além disso, por meio das plataformas de diversos serviços públicos (saúde, educação, fazenda, tráfego etc.), é possível consultar informações sobre seguridade social, pagar multas e agendar qualquer procedimento burocrático ou consulta médica.
Muitos especialistas consideram o WeChat a ferramenta de coleta de dados mais completa e inteligente do mundo: ela ajuda o governo chinês a acompanhar todos os aspectos da vida diária e a manter o controle do país; isso ficou evidente durante a pandemia: sob a rigorosa política de Covid zero, era obrigatório mostrar, para absolutamente tudo (inclusive para entrar na área de residência), o código de saúde gerado pelo aplicativo, o que foi fundamental para detectar possíveis casos positivos e impor confinamentos.
O WeChat economiza tempo para os usuários e espaço em seus dispositivos; no entanto, isso é feito à custa da privacidade: o aplicativo sabe tudo sobre aqueles que o utilizam: localização, hábitos, gostos, conversas e uma infinidade de informações pessoais que são compartilhadas no decorrer do dia – isso é especialmente perigoso sob uma ditadura, como a da China.
É evidente a vigilância e a ação do governo sobre os usuários do super app: publicações que questionam o discurso oficial desaparecem em questão de minutos e cada vez mais vozes críticas tem suas contas suspensas por se manifestarem contra o governo.
O sucesso do aplicativo se deve também, em grande parte, ao ambiente digital único da potência asiática, onde os serviços usados diariamente na Europa e nos Estados Unidos estão bloqueados, assim como muitos meios de comunicação internacionais, incluindo jornais e revistas.
(*) Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor da FATEC SP, consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas.