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James Bond no Brasil?

em Tecnologia
segunda-feira, 13 de março de 2023

Não se trata exatamente de tecnologia, mas a história é boa: no início dos anos 40, a guerra se espalhava pelo mundo. O Brasil, sob a ditadura Vargas, adotava uma posição dúbia: ora parecia apoiar os alemães e italianos, ora os ingleses, ora dava sinais de que permaneceria neutro.

Vivaldo José Breternitz (*)

Enquanto o governo brasileiro não se decidia, empresas ligadas aos países em guerra operavam no país. Uma dessas era a LATI (Linee Aeree Transcontinentali Italiane), companhia aérea italiana que ligava Roma a Buenos Aires, com oito escalas, duas delas no Brasil: Rio de Janeiro e Recife ou Natal; os aviões utilizados eram os Savoia Marchetti, sendo que o último modelo utilizado, o SM.82 tinha capacidade para 12 passageiros, carga útil de 775 kg. e autonomia de 4.800 km a 4.000 metros de altura, com uma velocidade de cruzeiro de 250 km/h.

As atividades da LATI preocupavam o serviço secreto inglês: ela transportava agentes, produtos de uso militar, material de propaganda etc. Os pilotos italianos também informavam os submarinos alemães e italianos acerca da posição de navios ingleses.

Apesar das pressões inglesas no sentido de que o governo brasileiro proibisse as operações da LATI, nada era feito nesse sentido. Além da posição dúbia de Vargas, o fato de um de seus genros ser diretor da LATI no Brasil talvez possa explicar essa inércia. Era digno de nota o fato de ser a americana Standard Oil quem fornecia combustível aos aviões italianos – os americanos, apesar de ainda fora da guerra, eram francamente pró-Inglaterra, mas afinal, negócios são negócios…

Percebendo que as pressões não surtiriam efeito, os ingleses conceberam um plano: lançar Vargas contra a LATI. O plano foi executado por agentes ingleses e canadenses, com a ajuda involuntária de americanos e poderia perfeitamente servir como enredo para um filme de aventura – afinal, Ian Fleming, o criador de James Bond, trabalhava para o serviço secreto de Sua Majestade.

A ideia era forjar uma carta do presidente da LATI dirigida ao diretor geral da empresa no Rio, o comandante Vincenzo Coppola. A carta deveria conter termos ofensivos a Vargas e aos brasileiros, de forma a tornar insustentável a posição da empresa no Brasil. Mas para que não surtisse efeito contrário ao desejado, deveria parecer autêntica.

O plano começou a ser executado com o roubo dos arquivos da LATI de uma carta assinada pelo presidente da companhia, que foi levada para o Canadá, onde se produziu um papel timbrado idêntico ao utilizado pela empresa.

A carta original fora escrita em uma máquina Olivetti; uma máquina dessa marca teve seus tipos ajustados para produzir escrita idêntica à original. Ela mencionava um (falso) golpe contra Vargas que estaria sendo preparado pelos integralistas com o apoio dos alemães, chamava o ditador de grassoccio (gorducho) e os brasileiros em geral de scimmie (macacos).

O próximo passo foi fazer a carta chegar a Vargas. Os agentes ingleses no Rio contrataram um ladrão para que furtasse alguns objetos da casa de Coppola; o comandante deu parte à polícia e o assunto foi aos jornais, que era exatamente o que os ingleses queriam.

Um brasileiro que trabalhava para os ingleses, simulando ser o ladrão, procurou um jornalista americano, propondo-lhe vender a carta, que teria “encontrado” na casa. O jornalista aceitou e repassou-a ao embaixador americano, que a levou pessoalmente a Vargas; este não teve alternativa: o último vôo da LATI ocorreu em 19/12/41.

Os bens da empresa foram confiscados e seus empregados italianos internados, menos um: o comandante Coppola, que na véspera do fechamento da empresa, sacou todo o dinheiro da companhia de um banco do Rio (cerca de um milhão de dólares, uma fortuna na época) e desapareceu. Mais tarde, foi preso tentando cruzar a fronteira argentina, tendo sido condenado a sete anos de prisão (que não se sabe se foram cumpridos) e multado em 85 mil dólares por infração das leis brasileiras, multa que não se sabe se foi paga.

Parece que o crime compensou!

(*) Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor, consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas.