A atual crise vem redefinindo prioridades em diversos setores empresariais e, portanto, é legítima a preocupação com o comprometimento dos investimentos em projetos de inovação, no momento em que a maior ocupação é sobreviver. A redução no faturamento total das empresas já é uma realidade e todas projeções apontam para uma queda drástica no PIB brasileiro para 2020.
Semelhantemente, até o momento, as iniciativas do Governo Federal aparentam limitar-se à contenção dos impactos imediatos da crise da COVID-19 nos diversos setores da sociedade, sobretudo naqueles que estão na linha de frente no enfrentamento da epidemia. Não estão visíveis as estratégias para a retomada da economia, principalmente para as áreas de pesquisa e desenvolvimento e inovação (PD&I), as quais, mesmo antes da crise, já pareciam ocupar um papel secundário na rota do crescimento. Inovação é o caminho necessário, centro da estratégia para a prosperidade do país.
Se inovar é um risco, não inovar é certeza do fracasso. Avançar em projetos inovadores, que se baseiam na aplicação das novas tecnologias, resulta em incertezas técnicas que, no Brasil, são multiplicadas pelas incertezas jurídicas, políticas e econômicas. Este dilema histórico de equilíbrio frágil pende para abordagens mais conservadoras em momentos ainda mais incertos como o que vivemos nesta crise sem precedentes. Nas circunstâncias atuais, os escassos projetos de inovação tecnológica podem ser duramente afetados, abalando ainda mais nosso agonizante setor de ciência aplicada e promoção de crescimento sustentável.
Segundo um levantamento realizado pela Fundação Dom Cabral, em parceria com a ANPEI, poucas empresas (24,1%) afirmam que estão planejando estratégias para conseguir transformar a crise em oportunidade no curto prazo. O estudo ouviu os setores fortemente abalados com as rupturas do momento, como indústria, serviços, educação e saúde.
Mais da metade das empresas já percebe o impacto negativo da pandemia da COVID-19 em suas atividades internas de PD&I. O setor industrial, por exemplo, se mostrou mais preocupado com as consequências: 64% das companhias acreditam em um cenário de consequências negativas.
Algumas empresas já exibem medidas como redução parcial das atividades, adiamento de novos projetos por prazo indeterminado, demissão ou redução das equipes de P&D, congelamento de contratações e isolamento social das equipes de pesquisa.
Diante deste cenário, a ANPEI – como associação independente e entidade representativa da inovação no país, pleiteia ao poder executivo e ao poder legislativo mudanças na Lei do Bem, principal instrumento de fomento horizontal do tema no Brasil. O PLS 2.707, de autoria do senador Izalci Lucas, abriga este pleito e propõe urgência na definição de alterações em pontos específicos, que definem que empresas, em anos de prejuízo fiscal, não podem usufruir dos retornos de gastos com pesquisas tecnológicas em períodos fiscais posteriores. Pouco mais de 1.800 empresas se beneficiaram da Lei do Bem no último ano. Corre-se o risco de drástica redução em 2020, ano em que as empresas, não tendo lucro real, não terão como deduzir os gastos realizados com P&D, conforme estabelece a lei vigente.
Sem dúvida, o contexto atual só acentuou o que já sabíamos: pesquisa e conhecimento científico e tecnológico são partes indispensáveis do grande motor social da inovação e desenvolvimento econômico. Vale dizer que também são uma maneira de viabilizar soluções mais rápidas e respostas ágeis a problemas estruturais e empresariais escancarados pela crise na economia e na saúde.
O avanço proposto na Lei do Bem, tanto no curto quanto longo prazos, irá motivar o investimento privado em PD&I, mesmo em momentos como esse de crise e também na retomada da economia, movimento essencial para preservarmos os projetos de desenvolvimento da ciência e pesquisa do Brasil, superarmos desafios e alavancarmos o futuro.
(Fonte: Humberto Pereira é Ex-Presidente da ANPEI, e vice-presidente da Embraer).