Para a maior parte das pessoas, holerite é sinônimo de contracheque, aquele demonstrativo onde estão detalhados os valores que compõem o pagamento de um empregado.
Vivaldo José Breternitz (*)
Os profissionais de tecnologia da informação (os mais antigos, pelo menos) sabem que Herman Hollerith foi um dos mais importantes pioneiros na área. Até fins do século XIX, as calculadoras existentes, além de rudimentares, tratavam apenas pequenos volumes de dados – Hollerith lançou as bases da moderna tecnologia da informação, aperfeiçoando-as muito.
Nascido nos Estados Unidos em 1860, filho de imigrantes alemães, Hollerith graduou-se na Universidade de Columbia, e trabalhou algum tempo para o U.S. Census Bureau, o IBGE americano.
Mais tarde foi pesquisador do MIT (Massachusetts Institute of Technology), desenvolvendo o uso de fitas de papel perfurado para armazenar dados e máquinas com capacidade de tratar grandes volumes de dados, as tabuladoras, que foram usadas em processamento de dados referentes à saúde pública e à administração do Exército.
Nessa época, estavam sendo compilados os dados levantados no censo de 1880, com imensas dificuldades e grande demora, pois o trabalho era todo feito manualmente. Em 1889 o Census Bureau anunciou uma concorrência para desenvolvimento de um sistema para processamento do censo de 1890; Hollerith venceu propondo o uso de seu equipamento, que a essa altura usava cartões perfurados no lugar das fitas de papel originais. Esses cartões eram semelhantes aos utilizados no Brasil quando da implantação da Loteria Esportiva, no início dos anos 1970.
A ideia era transcrever os dados planilhados pelos recenseadores para cartões, usando um cartão para cada cidadão. Os cartões tinham o tamanho da cédula de um dólar, porque o equipamento de Hollerith utilizava algumas partes de máquinas que eram empregadas pelos bancos para contar dinheiro. Os furos eram feitos com perfuradores manuais; mais tarde substituídos por equipamentos semelhantes às máquinas de escrever, com um teclado que acionava hastes que perfuravam os códigos referentes a sexo, idade, etc.
Máquinas como essas foram utilizadas no Brasil até o final dos anos 1970, e suas operadoras, quase sempre mulheres, eram chamadas entre nós “perfuradoras”, e foram as antecessoras das digitadoras, que ainda atuam em alguns poucos lugares, hoje gravando dados em mídia magnética.
Perfurados os cartões, estes eram processados pelas tabuladoras, que eram programadas para fornecer totais, imprimir relatórios, gerar cartões contendo subtotais, etc. Máquinas auxiliares classificavam esses cartões de diferentes formas, podendo, por exemplo, juntar todos os cartões de um determinado estado e permitindo seu processamento isolado.
O processamento do censo foi um sucesso: demorou cerca de dois anos, contra os quase dez do censo anterior. Cerca de 60 milhões de cartões foram perfurados (700 por operador a cada dia) e processados por 100 máquinas tabuladoras.
Em 1896, Hollerith fundou a TMC (Tabulating Machine Co.), para produzir e vender suas máquinas. A TMC fundiu-se com as empresas Computing Scale Company e International Time Recording Company, formando a C-T-R (Computing-Tabulating-Recording) Company, que em 1924 teve seu nome mudado para IBM – essa que hoje é um gigante na área.
Os equipamentos concebidos por Hollerith, evidentemente aperfeiçoados, estiveram em uso no Brasil até o final dos anos 1970. Nos data centers da época eram chamados “equipamento convencional” e serviam de apoio aos primeiros computadores que, por possuírem discos e memórias muito pequenos, tinham dificuldade em classificar dados. Esses dados, armazenados em cartões, eram classificados e só então processados pelos computadores.
Os contracheques são chamados holerites pelo fato de que as folhas de pagamento eram quase sempre os primeiros sistemas a serem implantados nas organizações. Nestas, os primitivos data centers recebiam com frequência o nome de “Seção Hollerith”, e um papel que saia da Seção Hollerith, só podia se chamar… holerite!
Em 1890 Hollerith recebeu da Universidade de Columbia o título de PhD – foi provavelmente o primeiro na área de computação.
Morreu muito rico em 1929.
(*) Vivaldo José Breternitz, Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor da FATEC SP, consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas – [email protected].